Henri Barbusse : pacifismo e antifacismo nas Américas
Um dos primeiros “romances de guerra” a ser publicado no século XX, o livro Le Feu popularizou Henri...
Não é difícil encontrar reportagens que mencionem o brilho que envolveu uma das mais importantes escritoras norte-americanas de todos os tempos: Susan Sontag (1933-2004). Não precisou de sobrenome, afirmou o jornalista do New York Times Charles McGrath, acreditou no sonho americano de que a partir do seu próprio esforço seria possível inventar a vida. Judia, nasceu em New York, estudou literatura, filosofia e teologia em renomadas universidades, como as universidades de Berkeley, Chicago e Sorbonne. Foi professora, escritora de romances e ensaios políticos com dezenas de traduções, e participou ativamente de produções cinematográficas, teatrais, radiofônicas e televisivas, o que lhe propiciou grande visibilidade e reconhecimento. Ganhou prêmios literários expressivos, como o National Book Award (2000-USA), Prêmio Jerusalém (2001- Israel) e o Prêmio Príncipe de Astúrias (2003- Espanha). Dizia que tinha lutado muito pelos seus objetivos e que isso não era motivo de vergonha. Defendeu a possibilidade de mudar de ideias e a necessidade de se identificar com muitos temas (ciência, arte, guerra, etc.). Fez muitas viagens de cunho político para compreender os problemas de seu tempo. Foi para Havana nos inícios da Revolução Cubana, Hanói durante a Guerra do Vietnã e Saravejo no meio da Guerra da Bósnia. Presidiu no final dos anos 1980 a American Center of PEN, uma organização internacional de escritores dedicada à liberdade de expressão literária com frequentes campanhas a favor de escritores perseguidos, como Salman Rushdie, e prisioneiros em várias partes do mundo. Mas a soma da vontade individual, do talento e do reconhecimento social não explica completamente a sedução que exerceu no mundo atlântico. Há diversos escritores com essas características que não encontraram o brilho sedutor. Há muitos outros que nunca o procuraram. Mas Susan Sontag o procurou sendo parte de um movimento moderno importante de mulheres feministas no ocidente que acreditaram que era possível construir o próprio destino e confiar na própria voz.
Após estudar na França e separar de seu marido, o sociólogo americano Philip Reiff, ao final dos anos de 1950, ela se mudou com o seu filho David Reiff para New York, tinha 26 anos, pouco dinheiro, muita vontade de enfrentar novos desafios e encontrar com pessoas ambiciosas e inquietas. Logo se tornou professora da Universidade de Columbia e seguiu em busca de uma carreira independente como novelista e ensaísta. New York era a cidade do glamour, não necessariamente do dinheiro. Havia possibilidades de conhecer pessoas com poder e dinheiro sem que necessariamente você tivesse dinheiro. Era uma cidade de intelectuais e artistas que reinventaram a própria vida, independente da sua condição anterior, e foram capazes de impactar o mundo inteiro. Existia, como afirmou Patti Smith, em seu livro Just Kids, uma "ansiedade que não era por dinheiro". Certos padrões de comportamento e expressão artística foram sacudidos por Surrealistas, Geração Beat, Intelectuais fugidos do nazismo, Socialities, colecionadores de arte, latinos, Black Panthers, etc gerando transformações culturais e políticas instigantes associadas ao acelerado desenvolvimento tecnológico.
Susan Sontag escreveu sobre o tempo em que viveu e esse tempo em New York foi inspirador, era a cidade mais influente do mundo no meio das correntes atlânticas da Guerra Fria, formada por múltiplas combinações de experiências modernas e tradicionais em que muitas pessoas escolheram estar. Escreveu e valorizou, nessa época, a pop art, o estilo como um desvio sutil do padrão, a tecnologia, as ideias progressistas, a luta de Che Guevara e as amizades como as de Jacqueline Kennedy e Yoko Ono. Em 1964, ela publica pela revista Partisan Review com sucesso estrondoso o ensaio Notes on Camp sobre 'estética homossexual e ironia'. Essa revista concentrava a nata da intelligentsia nova iorquina e expressava as principais batalhas culturais e políticas dos anos 1960 ao dar ênfase em debates estéticos que demonstravam a nobreza do exercício da crítica. Seguida pelo sucesso de Notas on Camp, Sontag publica os livros de ensaios Against interpretation (1966) e Styles of Radical Will (1969) pela editora Farrar, Straus & Giroux, que ocupava um lugar de destaque na república das letras do pós-guerra. Ganha a cena pública norte-americana por apresentar nesses trabalhos uma sensibilidade nova para com a modernidade, sem a intenção de adquirir consenso sobre sua radical posição política, cultural e histórica, e com a disposição de se inserir com intensidade nos meios de comunicação de massa. Foi em pouco tempo considerada uma "a pop icon", "a radical chic" ou, como definiu o New York Times após a sua morte, "uma intelectual rigorosa vestida com Glamour", filmada por Andy Warhol e Wood Allen, retratada por Joseph Cornell e Robert Heinecken, fotografada por Irving Penn, Robert Mappletorpe e Diane Arbus, e entrevistada por intelectuais e artistas como Nadine Gordimer e Robert Wilson.
Em 1963, ela respondeu a um questionário, ao ser contratada pela editora Farrar, Straus & Giroux, demonstrando disposição em se lançar para o mundo: "Você estará disponível para entrevistas em jornais, participações em rádio, discursos antes de eventos festivos, um ou dois pequenos textos sobre um assunto especial relacionado ao seu livro atual? A resposta de Sontag estava longe do costumeiro: no meio de uma página em branco ela escreveu uma única palavra: ´Qualquer coisa'\". A editora Farrar, Straus & Giroux, fundada em 1946, ficou bastante conhecida por publicar livros de escritores consagrados do universo atlântico, incluindo prêmios Nobel e Pulitzer, como Pablo Neruda, Elias Canetti, Czeslaw Milosz, Philip Roth, Joan Didion e Roberto Bolaño. Mas no início dos anos de 1960, muitos não conheciam Susan Sontag e ainda assim o editor Roger Straus decidiu apostar no trabalho dela, impressionado com suas contribuições na Partisan Review, ele publicou o seu primeiro livro The Benefactor (1963), que trazia o seguinte comentário de Hannah Arendt: "Uma grande escritora... Eu admiro especialmente como ela faz uma estória real a partir de sonhos e pensamentos." Mas apesar de seus livros de literatura serem reconhecidos pela crítica, principalmente The Volcano Lover (1992) e In America (1999), eles não tiveram o mesmo impacto que os seus ensaios políticos e literários.
O contato bem sucedido com o editor Roger Straus perdurou durante toda a vida de Susan Sontag. Farrar, Straus & Giroux publicou todos os seus livros; cuidou de suas finanças; da sua saúde (quando teve câncer, contou com o apoio da editora); defendeu sua liberdade, quando foi presa em 1968 por protestar contra Guerra do Vietnã; investiu em sua publicidade (palestras, entrevistas, jantares, viagens etc); administrou as cartas de seus fãs; contatou outras editoras para difundir o seu trabalho em países como Espanha, México, Japão, Itália, Alemanha etc, e a apresentou para um campo amplo de intelectuais e artistas que admiraram sua moral, inteligência e sedução. Chama especialmente atenção a conexão que estabeleceu com diversos escritores latino-americanos a partir desse período contribuindo para a divulgação de muitos dos seus trabalhos nos Estados Unidos. Fuentes nutriu por Sontag uma enorme admiração, considerava a mais veemente crítica da política externa norte-americana e aquela que tornou a cultura pop, marginal e excêntrica possível de ser compreendida no sentido mais radical. Octavio Paz compartilhou uma amizade repleta de muitas afinidades políticas que o levou a publicar os ensaios dela na revista mexicana Plural e Vuelta. Elena Poniatowska chegou a entrevistar Sontag no México, em 1972, sobre a libertação feminina e ficou impressionada com sua personalidade a identificando como a "Beauvoir Americane". Julio Cortázar, no seu metacomic de 1975 -- Fantomas contra los vampiros multinacionais -- fez dela uma personagem intelectual fundamental para a libertação dos povos latino-americanos pelo compromisso moral assumido contra o autoritarismo e a violência. Susan Sontag foi de fato reconhecida como uma estrela no centro vital da cultura intelectual norte-americana.
Para o biógrafo alemão Daniel Schreiber ninguém representou melhor o espírito dos anos 60 do que Susan Sontag. Todas as coisas novas e desconhecidas despertavam o seu interesse. Ela escreveu em Against Interpretation: "o que é importante agora é recobrar nossos sentidos. Nós devemos aprender a ver mais, a ouvir mais, a sentir mais." A atitude política radical em defesa da Revolução Cubana (Some thoughts on the righy way (for us) to love the revolution/1969/Ramparts) como uma experiência de liberação e os seus ensaios sobre escritores latino-americanos nos Estados Unidos, como Machado de Assis e Jorge Luiz Borges, marcaram, por exemplo, a paisagem cultural americana. Mas a forma como vestia roupas escuras, a eloquência e sensualidade com que falava, as fotografias que tirou com um ar blasé, visíveis em cartazes, revistas e livros, e as mechas brancas do tempo entre os seus cabelos negros fizeram com que muitos críticos enfatizassem que boa parte de seu reconhecimento viesse da necessidade de se promover criando um poder icônico, moderno, mascarado e artificial. Os autores de sua biografia não autorizada — Making na icon, Carl Rollyson e Lisa Paddoc, chegaram a ponto de afirmar que: "Então Susan Sontag como o mundo a conhece é um sonho de Susan Sontag". A recente biografia sobre ela, escrita por Benjamin Moser, defende a ideia de que havia um hiato entre Susan Sontag e "Susan Sontag". Talvez ela mesma definisse suas escolhas como parte do seu próprio estilo, da forma autônoma e exemplar que decidiu se expressar para o mundo. Em 1996, a revista New Yorker publicou um comic que brinca com essa ideia ao demonstrar que seu estilo célebre não era possível de ser copiado:
Susan Sontag ficou conhecida também por sua seriedade. Ela cedo compreendeu que ser uma escritora é ter uma voz pública e representar um modelo de consciência ou uma forma de inteligência capaz de comunicar com o mundo não apenas para contar sobre as coisas que acontecem no mundo, mas dizer que nesse mundo as coisas podem ser diferentes e melhores. O seu envolvimento com a política veio da ideia que nutria de que a política não significa nada além do que a possibilidade de mudar as coisas. O jeito que encontrou foi tecido a partir de um estilo próprio em que expressava interesse por temas diversos conectados uns aos outros. Ao receber o Prêmio Jerusalém (2001), evidenciou como a literatura é um caminho que fornece uma sabedoria para a comprrensão sobre a pluralidade humana ao demonstrar que o mundo é repleto de muitas e distintas demandas, partes e experiências que abarcam inclusive realidades sórdidas e realidades que causam enlevo.
Vale ressaltar que o papel que ocupou como escritora foi formado por ter conseguido integrar o grupo dos chamados "Intelectuais de New York", reunidos em torno da Partisan Review. Nomes como Mary McCarthy, Clement Greenberg, Hannah Arendt, Saul Bellow, Elizabeth Hardwick, Leslie Fiedler, Daniel Bell, Paul Goodman e Irving Howe pertenceram a esse grupo que publicou outros renomados escritores europeus como Sartre, Camus, Jean Genet, Simone de Beauvoir, George Orwell, Ernst Jünger e Karl Jaspers, bem como autores latino-americanos como Manuel Puig, José Donoso, Octavio Paz, Gabriel García Marquez e Mario Vargas Llosa. Partisan Review foi fundamentalmente o grande meio de expressão dos intelectuais judeus progressistas, bem como de jovens intelectuais de outras comunidades de imigrantes, como católicos irlandeses ou social-democratas alemães. A revista, lançada em 1934 pelo Clube John Reed, um grupo de escritores associados com o Partido Comunista em New York, muda em 1936 a partir das denuncias trotskistas dos crimes de Stalin ao se afastar das ideias comunistas e começar um forte combate ao fascismo. Durante a Guerra Fria, a revista concede mais espaço para o pensamento liberal moderado e as críticas contra o comunismo, que em muitos momentos dos anos de 1950 e 1960 deu suporte a política norte-americana perdendo, nos anos de 1970, certa relevância cultural. Irving Howe, um dos grandes nomes da segunda geração de Partisan Review funda em 1954 a revista Dissent, considerada mais à esquerda naquela época, pelas críticas acirradas ao macarthismo, mas que posteriormente não deixou de atacar também as experiências revolucionárias como a cubana, pelo dito apreço aos valores democráticos e libertários.
Os debates públicos dos chamados "Intelectuais de New York" contribuíram também para posicionamentos críticos divergentes e polêmicos em torno do papel do intelectual, do lugar do liberalismo e de como associar às posições moderadas e à esquerda em contraponto as forças reacionárias. Susan Sontag fez parte da chamada terceira geração de intelectuais judeus de New York, como Norman Mailer e Philip Roth, que ficaram famosos principalmente a partir dos anos de 1960 ao expressarem suas ideias heterodoxas sobre a importância da cultura e o papel da política não apenas em livros, revistas, jornais especializados e de grande circulação no mundo atlântico, mas também em emissoras de rádio e televisão. A sua inserção pública foi controversa, inclusive entre aqueles pertencentes aos chamados "Intelectuais de New York". O crítico literário Irving Howe, por exemplo, passou a julgar a sua inserção nos meios de comunicação de massa como algo menor, sem originalidade e voltado para um público massivo desprovido de cultura. Em 1968, no ensaio da revista conservadora Commentary, Irving Howe descreve Susan Sontag como uma "publicista" que tinha uma "boa versão reconstruída de noções estéticas familiares, antigas e descartáveis."
Susan Sontag atuou como uma intelectual em uma sociedade com fortes traços anti-intelectuais. Bastante influenciada pela postura pública dos intelectuais e artistas franceses que leu, conheceu e conviveu, como Albert Camus, Roland Barthes e Jean Louc Godart, ela tomou posições e chegou a ser considerada a escritora americana mais europeizada de sua geração. Muitos a acusaram de ser "antiamericana" por se deixar seduzir por ideias estrangeiras e por produzir análises políticas sobre os Estados Unidos que denunciavam a manipulação da mídia, a arbitrariedade da política externa, a fragilidade da democracia e a excessiva militarização do país desde a Segunda Guerra Mundial. Quando, por exemplo, afirmou no jornal The New Yorker, após o 11 de Setembro, que o governo americano era responsável indiretamente pela tragédia, ela recebeu inúmeras críticas em reportagens como o The New Republic que provocava os leitores ao chegar a perguntar o que Osama Bin Laden, Saddam Hussein e Susan Sontag tinham em comum. Designar desse modo uma intelectual crítica nos Estados Unidos de "antiamericana" simplesmente por criticar o governo ou a visão triunfalista da nação é um indício, de acordo com Noam Chomsky, de como o pensamento dissidente encontrou enormes barreiras de expressão, tanto no meio intelectual quanto na vida política e midiática, pois criticar o governo não implica em dizer que não se acredita ou mesmo não se identifica com a nação.
É importante considerar que o anti-intelectualismo norte-americano foi parte do horizonte político tanto da esquerda quanto da direita, de hippies até religiosos ultra ortodoxos passando pelos heróis da cultura de massa. Em 1994, Susan Sontag comenta sobre o filme de Forrest Gump (1994- vencedor de 13 Óscares) lamentando como a figura do idiota e ignorante que alcança sucesso, fama e dinheiro pode ser vista como uma figura heroica nos Estados Unidos. Anos atrás, ela já havia participado de Zelig (1983), um documentário ficcional de Wood Allen sobre a trajetória de um personagem camaleão que busca a qualquer custo aprovação em uma cultura narcisista das celebridades contemporâneas caracterizada menos pelos seus gestos, ideias e realizações e mais pelo excesso de exposição na mídia. Para tornar a ficção "real", Woody Allen contou com a participação de intelectuais públicos, como Susan Sontag e Saul Bellow, que deram credibilidade e importância a Zelig. A sua fama de intelectual séria e célebre foi sendo então incorporada de diversas formas pela cultura de massa que não levava nada muito a sério. Foi capa da revista feminina de moda Vanity Fair (1983), teve o seu nome mencionado em filmes de Hollywood (Bull Durhan-1988) que se espalharam pelo atlântico, passando por ser inspiração de Jonnathan Larson para o musical Rent sobre Aids na Broadway até cair nas graças nobrow dos Simpsons ao ser mencionada como grande referência intelectual contemporânea. Assim como muito escritores críticos, ela dizia não se iludir com o brilho da cultura de massa que representava um lado pessimista, sombrio e superficial pela inabilidade de conectar a realidade com a própria experiência, drenando o significado, o sentido e o peso da vida.
Teceu então uma carreira intelectual em contato constante com várias dimensões da vida pública, independente das muitas críticas recebidas, Sontag não apenas pensava sobre a mídia e a arte como também mergulhava nelas ultrapassando fronteiras acadêmicas e nacionais. A sua mente esteve afinada ao modelo intelectual francês e a sua postura foi associada às celebridades hollywoodianas. Esse aspecto de sua trajetória contribuiu para colocar em cheque a visão de que era um problema a mescla entre a alta cultura e a cultura pop. As hierarquias para ela precisavam ser derrubadas, o que não significava que tudo era equivalente. Quando decidiu publicar Sobre Fotografia (1978), compreendeu a partir de sua obsessão por fotográficas que muitos dos problemas estéticos, morais e políticos da modernidade estão relacionados a imagens. Escrever sobre fotografia significou exercer uma atividade importante para refletir sobre complexidades sociais. Participar como jurada do Festival de Cannes e analisar diretores de cinema como Bresson, Godart e Resnais a levou desejar dirigir e produzir filmes e documentários fora dos Estados Unidos. Dirigiu os filmes "Duet of Cannibals" (1969- Suécia), "Brother Carl" (1971-USA) e "Tour Unguided" (1983- Itália), o documentário sobre os conflitos no Oriente Médio "Promisse Land" (1973- Israel) e até mesmo peças de teatro, como \"Alice in Bed\" com base na vida de Alice James, a adoentada irmã de Henry e William James, e "Esperando Godot" (1993), adaptação de Samuel Beckett em plena guerra de Sarajevo. Entendeu que a sensibilidade, seja ela artística ou não, e o intelecto não eram de forma alguma dissociadas, pois sentir era para Sontag uma forma de pensar e pensar era uma forma de sentir.
Em 1989, o New York Times publicou uma entrevista sobre os seus 25 anos de carreira, intitulada Susan Sontag: as Image and as Herself, em que ela contava sobre a importância de manter uma vida privada e apenas tratar na mídia de questões públicas sem nenhum interesse em ser uma celebridade pop. "Por que ela é tão famosa?" perguntou o jornalista Richard Bernstein. Talvez por Susan Sontag, além de talentosa, ter também feito tudo que ela dizia não ter tido tanto interesse em fazer como aparecer na televisão, rádio, jornais e revistas de várias partes do mundo. O biógrafo Moser refuta a tese de escritores neoconservadores como Norman Podorethz que ao nomeá-la de "dark lady of american letters" concedeu um peso exagerado às circunstâncias e capacidade de autopromoção dela mais do que as suas qualidades intelectuais. Para Susan Sontag, essa percepção foi um sinal de misoginia que não permitiu reconhecer que a sua dedicação e paixão pelo trabalho não dependia da fama alcançada que a fez, entre outras coisas, romper com muitos preconceitos associados às intelectuais mulheres cuja importância residia em suas próprias realizações e competências.
Outra faceta da fama que afeta o trabalho intelectual e promove interesse público é a polêmica. Após anos comprometida com as ideias progressistas, Susan Sontag viveu nos anos de 1970 um profundo desencanto com os desdobramentos dos movimentos radicais do espaço atlântico e aderiu à social democracia liberal sem grande entusiasmo com a vida política. A sua tradução utópica da Revolução Cubana para o cenário americano se soma a de outros escritores, como Allen Ginsburg, Irving Howe, Norman Mailer, Wando Frank, entre outros, que resistiram o quanto puderam ao desapontamento com a experiência cubana pela introdução de práticas stalinistas, campos de trabalho forçado (UMAP), perseguição aos homosexuais e restrições a liberdade de expressão. Em 1982, quando fez um discurso controverso no Town Hall em New York, no qual estavam presentes proeminentes artistas, intelectuais e sindicalistas das esquerdas, como Gore Vidal, Allan Ginsberg e Paul Singer, contra o regime opressor na Polônia, Sontag condenou tanto as arbitrariedades do governo Reagan que ocorriam, naquela época, na Nicarágua e em El Salvador, quanto à incapacidade das esquerdas de reconhecer os limites éticos do projeto revolucionário que obriga as pessoas a agirem como o Estado quer. A repressão do estado comunista na Polônia se assemelhava para ela as Ditaduras Militares da Argentina e Chile. A falta de ética estava associada assim à falta de limites no fazer político, era preciso então abrir mão da "retórica velha e corrupta". Nesse momento, Marx, a seu ver, já estava completamente ultrapassado e as revoluções na América Latina e no Leste Europeu tinham se tornado uma espécie de fascismo com face humana. "Comunismo é fascismo... a mais bem sucedida variante do fascismo... fascismo com face humana."
Vaias de parte das esquerdas e comentários de que ela tinha deixado de ser uma escritora radical para se tornar uma conservadora elitista não faltaram. Um artigo da Forbes em 1982 apresentou uma manchete taxativa: "Sontag comes in out the left" e a Revista Times comprou a polêmica "Susan Sontag shake up the left". É importante recordar que a Lei Marcial na Polônia ocorreu entre dezembro de 1981 a julho de 1983, quando o governo comunista agiu de forma autoritária reprimindo a oposição com prisões e dezenas de assassinatos. O governo norte-americano condenou a violência cometida contra o povo polaco pelo governo comunista, ao mesmo tempo em que apoiava as ditaduras e financiava milícias na América Central. Muitos da New Left norte-americana questionaram até que ponto em um contexto de Guerra Fria dizer que o comunismo é igual ao fascismo poderia ser uma crítica nova ou construtiva. Diversas críticas à Susan Sontag foram publicadas em jornais como Soho News, The Nation, The New Republic e The New York Times. O Soho publicou o seu discurso no Town Hall sem a sua autorização, mas o jornal The Nation teve a autorização dela para publicar o discurso com alguns ajustes que excluía a parte que ela questionava a incapacidade crítica de revistas de direita como Reader´s Digest quanto de revistas de esquerda como The Nation, entre 1950 e 1970, de falar "a verdade" sobre o comunismo. De todo modo, o discurso criou uma tempestade de comentários. Garry Wills, Diana Trilling, Noam Chomsky, Seymour Martin Lipset, Edward W. Said, Michael Foucaul, Marshall Berman e Andrew Kopkind, entre outros, reprovaram o seu posicionamento o considerando simplista.
A tentativa de provocar o debate para que o público abandonasse a lógica maniqueísta que tinha influenciado a mente das pessoas por décadas, durante a Guerra Fria, foi um de seus objetivos como intelectual, apesar de que para isso ela tivesse que reduzir a história do socialismo a uma dimensão totalitária. O poeta mexicano Octavio Paz e o poeta russo Joseph Brodsky estiveram a todo tempo ao seu lado enfatizando a falta de autocrítica das esquerdas e a dificuldade da política transcender o capitalismo e o socialismo com a criação de uma imaginação social sensível a complexidade da condição humana. Segundo Alan M Wald, não havia dúvida que a polêmica gerava publicidade e a tornava mais conhecida entre o público aumentando a venda de seus livros em um ambiente conservador dos anos 80 nos Estados Unidos. Quando publicou a coletânea de seus principais ensaios no livro The Susan Sontag Reader (1980), o seu famoso ensaio Visit to Hanoi em apoio ao comunismo vietnamita não estava incluído. Interessante observar que, nessa mesma época, Sontag publicou também um livro intitulado Under the Sign of Saturn, resultado de uma série de ensaios escritos nos anos de 1970 sobre escritores como Paul Goodman e Walter Benjamin. Saturno, como afirma Benjamin, é o planeta da melancolia, o astro da hesitação e do atraso. O astro daqueles que sentiram o socialismo perder e diante do vazio aceitaram melancolicamente também o capitalismo, dando razões aos inimigos.
Ao longo desses anos, Sontag passou a lutar pela liberdade de expressão tanto nos Estados Unidos quanto nos países comunistas por meio da participação ativa em instituições liberais, como o New York Institute for the Humanities e PEN America Center. Travou batalhas contra o governo americano quando este impediu escritores ditos "comunistas" de entrarem no páis, como Pablo Neruda, Gabriel García Márquez, Julio Cortázar, Carlos Fuentes, entre outros. Denunciou a censura imposta pelo governo soviético aos intelectuais dissidentes, como Josephy Brodsky e Irina Ratushinkaya. Atuou no proceso que levou o cubano Ronaldo Arenas a viver exilado nos Estados Unidos. Participou do documentário francés Improper Condut (Mauvaise Conduite-1984) sobre a repressão do governo cubano aos homosexuais. Assinou duas Cartas abertas à Fidel Castro questionando o fato de estar no poder há décadas. As inúmeras polêmicas travadas por Sontag foram justificadas constantemente em razão de sua obsessão moral, necessidade de exercer a crítica, inclusive ao Estado e a mídia. Sontag se tornou uma intelectual engajada, nem conservadora nem comunista, uma intelectual comprometida com o potencial radical do pensamento. Um das críticas mais ferozes a postura intelectual de Sontag veio da escritora feminista Camila Paglia que se definia em "contraposição a europeizada e livresca Susan Sontag". Para Paglia, Sontag foi de fato uma grande figura dos anos 1960 que colapsou nos anos 1970 ao se tornar esnobe a ponto de afirmar que não via mais televisão. Sontag compreendia que na televisão faltava o componente ético que havia na literatura, pois a literatura é aquela capaz de oferecer profundidade e esclarecimento sem gerar passividade e embotar os sentimentos. Paglia dizia então que Sontag já estava superada nos anos de 1990. Mas até que ponto uma postura blasé era um esforço para atrair mais atenção do público ou uma vontade de manter uma reputação literária e artística? Na opinião de Moser, as duas coisas são inseparáveis apesar de Paglia insistir no contrário. Enquanto Paglia ia para televisão falar de seu best seller Sex, Art and American Culture e dizer "Eu sou a Susan Sontag dos anos 90", Susan Sontag perguntava quem era Camille Paglia e seguia comprimindo o seu papel como intelectual pública apta a se manifestar em relação a diversos temas do mundo atlântico ao circular com suas ideias por muitos países da América, Europa, África e Àsia.
Nos anos de 1970, Susan Sontag teve câncer de mama, e após ficar curada decidiu por publicar o livro Illness as Metaphor (1978) procurando combater as metáforas problemáticas associadas ao câncer. Isso se desdobrou em reflexões sobre temas tabus como a Aids, quando lançou o ensaio AIDS and Its Metaphors (1988). Mas ao final dos anos de 1990, ela teve o seu segundo câncer (mieloide agudo). Ainda assim continuou realizando novos percursos para defender suas ideias e divulgar os seus livros. Viajou para Colômbia e aproveitou para criticar a postura de Gabriel García Márquez em defesa do governo cubano e em seguida aceitou o convite de sua amiga Nadine Gordimer para ir à África do Sul para compartilhar suas afinidades eletivas, como a questão moral e o racismo contemporâneo. Faleceu em 2004 e foi sepultada no célebre cemitério literário de Montparnasse, em Paris, perto dos túmulos de grandes nomes que admirava como Simone de Beauvoir, Samuel Beckett, Jean Paul Sartre e Charles Baudalaire. Susan Sontag foi uma grande estrela literária que ocupou o espaço público destinado tradicionalmente aos homens com uma mente que mesmo afinada a tradição europeia não a impedia de ser interessada no vigor da cultura pop americana, nas inovações culturais latino-americanas e nas questões políticas africanas. A sua morte teve registros eternizados pela fotografia de Annie Leibovitz, sua companheira nos últimos anos de sua vida. Em 2016, as fotografias foram publicadas no livro A photographer´s life 1990-2005 revelando de forma célebre o corpo doente e sem vida de Susan Sontag. Apesar de seu filho David Reiff ter visto com oportunismo a exposição da vida privada de Sontag por sua amante, a publicidade dessa polêmica alimentou ainda mais sua fama de célebre intelectual pública. Em 1978, o artista conceitual Robert Heinecken, ao criar a partir da fotografia de Susan Sontag um trabalho com seus escritos e imagens, produziu uma das expressões artísticas que mais potencializa visualmente a ideia de que a vida e a obra de Sontag representam múltiplos significados textuais e imagéticos que circulam por todo espaço atlântico e converge para o reconhecimento dela como uma referência moderna para sucessivas gerações.