Sarah Maldoror
Sarah Ducados, conhecida como Sarah Maldoror, é considerada a primeira mulher negra a fazer cinema na...
Paulin Soumanou Vieyra (1925-1987) foi um dos mais importantes nomes da primeira geração do cinema africano. De uma família de origem afro-brasileira do Daomé (atual Benim), ele deixou Porto-Novo ainda menino, em 1935, para continuar a sua escolaridade na França. Com o passar dos anos e sem poder retornar à terra natal durante os anos de guerra, o jovem desaprendeu a falar o yorubá. Em 1952, começou a estudar cinema e foi o primeiro estudante da África subsaariana a receber um diploma do Institut des hautes études cinématographiques (IDHEC).
Nesta altura, ele já frequentava o meio artístico e literário de Saint-Germain-des-Prés e participou como ator coadjuvante de alguns filmes. Como trabalho de conclusão no IDHEC, Paulin Soumanou Vieyra realizou um filme intitulado C'était il y a quatre ans (1954). Trata-se do primeiro curta-metragem de ficção realizado na França por um africano abordando um tema da diáspora africana. O dilema de um estudante e o seu desassossego diante de um passado africano e de um presente europeu remetem à relação entre a tradição e a modernidade, tema que seria retomado em outros filmes como Sindiely (1965) e Môl (1966).
Em 1960, Paulin Soumanou Vieyra instala-se na capital senegalesa e, alguns meses depois, se casa com a escritora Myriam Warner, natural de Guadalupe. Originários do Benim e das Antilhas, o casal integra a elite intelectual e cosmopolita de Dacar, cidade portuária que rivaliza com Accra como metrópole pan-africana. Na direção do programa Actualités Sénégalaises, Paulin Soumanou Vieyra produziu parte importante da memória visual da jovem nação entre 1960 e 1975. Filmes como Une nation est née (1961) e Lamb (1963) são exemplos de sua busca por um cinema que pudesse expressar a nacionalidade senegalesa. Em sua filmografia, contam-se dezenas de filmes de curta-metragem, documentários e um longa-metragem de ficção. Intelectual comprometido com uma estética pan-africanista, com uma nova linguagem visual para a África independente, Paulin Soumanou Vieyra foi um dos primeiros cineastas, roteiristas e críticos de cinema da África subsaariana e um dos fundadores do Festival panafricain du cinéma et de la télévision de Ouagadougou (FESPACO).
Desde os "anos loucos", a capital francesa afirmou-se como destino de artistas e intelectuais da diáspora africana. Além de escritores como Claude McKay, Aimé Césaire e Richard Wright, Paris acolheu estrelas de espetáculos do music-hall como Joséphine Baker e Féral Benga. Se a música afro-caribenha e o jazz marcavam o ritmo da paisagem sonora de Paris, a Antologia da Nova Poesia Negra e Malgaxe (1948) apresentou uma consciência negra que se afirmou no campo literário por meio da revista e da editora Présence Africaine. No cinema, a diáspora africana não tardou a fazer sua aparição. Na esteira dos filmes anticoloniais como Afrique 50 (1950), de René Vautier, e Les statues meurent aussi (1953), de Alain Resnais e Chris Marker, o curta-metragem Afrique-sur-Seine foi realizado em 1955. Além da direção de Paulin Soumanou Vieyra e Mamadou Sarr, a equipe técnica era composta por Robert Caristan e Jacques Mélo Kane. O filme aborda a juventude da diáspora africana em Paris. Trata-se de uma visão idealizada de uma sociedade multicultural e multirracial. Destaca-se no filme o humanismo negro, tão em voga na época, do movimento Négritude das décadas de 1940 e 1950 e tão caro aos intelectuais senegaleses Alioune Diop e Léopold Senghor, sobre os quais Paulin Soumanou Vieyra deixou projetos de filmes inacabados.
Ainda na efervescência cultural da diáspora negra em Paris, realiza-se o Primeiro Congresso de Escritores e Artistas Negros, na Sorbonne, em 1956. Em 1959, Vieyra é contratado pela Présence Africaine para filmar o Segundo Congresso de Escritores e Artistas Negros, realizado em Roma. Dez anos mais tarde, Paulin Soumanou Vieyra filmaria o Festival Mundial de Artes Negras de Dacar (1966). O documentário realizado na ocasião se encontra perdido.
O Festival Mundial de Artes Negras de Dacar foi uma celebração africana e da diáspora, na qual a Sétima Arte contribuiu para a valorização do Atlântico negro como um espaço transcultural. Assim como muitos artistas e intelectuais africanos, Paulin Soumanou Vieyra retornou ao seu continente de origem. Sua filmografia tem essa dupla marca da diáspora africana: primeiro, porque trata da condição existencial fora do continente africano; e, segundo, porque a experiência da diáspora se soma à condição presente e futura do retorno. Se os temas de seus primeiros filmes em Paris relacionavam-se à condição juvenil e moderna da diáspora africana, aqueles dos filmes posteriores abordaram questões comuns a uma primeira geração de cineastas africanos que—assim como ele—traduziram para a película imagens da África dos africanos.
Em Dacar, Paulin Soumanou Vieyra trabalhou no campo audiovisual para promover imagens da África, mas de uma África dos africanos, ou seja, em produções fílmicas feitas por africanos e para africanos. Junto com outros cineastas e técnicos, Vieyra participou de vários festivais de cinema e da promoção internacional do cinema africano. Foi um dos primeiros a escrever sobre a história do cinema no continente e seus primeiros livros foram publicados pela editora Présence Africaine.1 Foi ainda diretor de produção de alguns filmes do amigo Ousmane Sembène.
Na filmografia da primeira geração de cineastas africanos, a identidade nacional constituiu um dos principais temas retratados. Ela aparece em filmes de Paulin Soumanou Vieyra da década de 1960, nos quais também se valoriza o uso das línguas africanas. Conflito intergeracional, gênero e a cultura imaterial como patrimônio foram outras questões tratadas por Paulin Soumanou Vieyra em seus filmes de curta-metragem.
Sob o sol das independências, Vieyra filmou algumas visitas oficiais do presidente do Senegal. Nessas viagens, alguns documentários foram realizados como: Indépendance du Cameroun, Togo, Congo, Madagascar (1960) e Une nation est née (1961). Em 1964, seu curta-metragem intitulado Lamb (1963) foi selecionado para o festival de Cannes.
Trata-se do primeiro filme da África subsaariana a ser selecionado e exibido em um dos maiores festivais de cinema da Europa. Neste filme de curta-metragem, a luta tradicional (lamb em wolof) foi apresentada como um "esporte nacional". O documentário de 18 minutos e a cores a aborda como mobilizadora de emoções, como catarse coletiva, sem deixar de lado sua função reguladora para a coesão social de uma jovem nação. Dela participam agricultores, pastores e pescadores, wolofs, toucouleurs, sereres e diolas. Na narrativa visual de Paulin Soumanou Vieyra, a luta promove o amálgama de diferentes grupos sociais e étnicos do Senegal. Desse modo, Lamb ressalta a luta tradicional como um patrimônio cultural do Senegal e, ao mesmo tempo, um elemento moderno da sociedade pós-colonial.
Assim como em Lamb, em outros filmes de Paulin Soumanou Vieyra revela-se a busca pelo belo, por um efeito de verdade. Nesse sentido, seu cinema reveste-se de uma missão, tornando-se, ao mesmo tempo, um instrumento de conhecimento e de compreensão da realidade africana. Como ele mesmo reivindicou para a sua arte, a grande responsabilidade do cinema africano reside na formação de uma consciência africana. Porém, a sua filmografia extrapolou esta dimensão. Ela se inscreve no cinema do "Atlântico negro", na formação de uma consciência da diáspora africana num espaço atlântico transcultural. Paulin Soumanou Vieyra é lição de cinema, de liberdade e de humanismo.
Paulin Soumanou Vieyra, Le Cinéma Africain. Des Origines à 1973 (Paris : Présence Africaine, 1975).