Revista Cine Cubano
A revista Cine Cubano, criada em 1960, promoveu por mais de quatro décadas a circulação de notícias e...
Cuba, após sua emblemática Revolução em 1959, foi inspiração e polo de produção para dezenas de cineastas de todos os continentes, principalmente aqueles identificados com os novos cinemas. Ali visitaram, filmaram e em alguns casos, trabalharam oficialmente por meses ou mesmo anos, figuras importantes como Jean-Luc Godard, Glauber Rocha, Miguel Littín, Ruy Guerra, Patricio Guzmán, Pedro Chaskel, Cesare Zavattini, Theodor Christensen, Agnès Varda, Chris Marker, Joris Ivens, Roman Karmen, Mijail Kalatozov, entre muitos outros. Não seria exagero afirmar que Havana, ao abrigar fortes instituições culturais (estatais e com propósitos internacionalistas) como a Casa de las Américas e o ICAIC (Instituto Cubano del Arte e Indústria Cinematográficos foi, nos anos 1960 e 1970, um espaço privilegiado de sociabilidade de artistas e intelectuais do mundo todo.
Houve intensa circulação de escritores, dramaturgos, cineastas, técnicos, roteiristas, atores, compositores, críticos e outros inúmeros profissionais das artes em geral, provenientes de diversas partes do mundo e interessados em conhecer a ilha caribenha que havia feito uma revolução, desafiando o poder dos Estados Unidos, ao qual foi por tantos anos submetida. Muitos diretores de cinema vieram a Cuba com recursos próprios, movidos pela expectativa de registrar uma experiência social e cultural ímpar, com espaço para a experimentação e para propostas artísticas engajadas, bastante dispostos a colaborar com a causa revolucionária e prestar sua solidariedade a Cuba. Essas visitas, bem como as produções e coproduções delas resultantes (filmes, projetos de filmes, cartazes de divulgação, trilhas sonoras, ensaios fotográficos, etc), foram em boa medida registradas na publicação oficial do ICAIC, a revista Cine Cubano, hoje um documento valioso dessa história marcada pelas conexões transatlânticas.
Além de Cuba ter sido esse lugar profícuo de recepção de estrangeiros e ter abrigado, em algumas instituições culturais, ambientes plurais e cosmopolitas de criação, devemos lembrar que cubanos também circularam amplamente pelo mundo, nessas décadas. Técnicos, cinegrafistas e diretores do ICAIC viajaram intensamente pelos três continentes, captando imagens e sons para o cine-jornal semanal do Instituto, o Noticiero ICAIC Latinoamericano, que, em suas muitas edições, ao longo dos anos 1960 a 1991, reúne hoje um valioso acervo mundial, reconhecido pela Unesco. Além disso, curtas-metragens documentais (alguns resultantes de reportagens especiais do Noticiero), documentários mais amplos e filmes de ficção produzidos pelo ICAIC (por cubanos e não cubanos) circularam em inúmeros festivais internacionais. Devemos ainda lembrar que o governo cubano, também por meio do ICAIC, cooperou com a fundação e a existência de outros institutos ou polos de produção fílmica, em países com processos revolucionários em curso, caso do Chile durante o governo Allende ou da Nicarágua sandinista, ambos alvos de política internacional solidária por parte de Cuba, nos anos setenta. Dessa forma, é nítida a importância do ICAIC como lugar de gestação de projetos transnacionais e como plataforma de circulação de cubanos pelo mundo.
O ICAIC foi o primeiro organismo cultural criado após a Revolução, pela Lei 169, de 24 de março de 1959, dado que é um forte indício da importância que o novo governo conferiu ao cinema, após a tomada do poder.
Na história e na eclética produção realizada neste Instituto (filmes, mostras, coletâneas de trilhas sonoras, uma revista bimestral e diversas publicações em livro), tanto de autoria de cubanos como de estrangeiros, são muito fortes as marcas resultantes das ricas conexões transatlânticas e dos diálogos transnacionais que ali tiveram lugar, principalmente entre os anos 1960 e 1980. Para isso, muito contribuiu o papel que o governo de Cuba assumiu, a partir de meados dos anos 1960, de fomentar a revolução em países do Terceiro Mundo em que houvesse tal potencial identificado.1 Em nome dessa ação política solidária (do qual o cinema fez parte), cineastas perseguidos por ditaduras foram acolhidos, projetos foram financiados, críticos franceses foram convidados a cooperar com a revista do Instituto, profissionais do Leste Europeu vieram dar cursos de capacitação no ICAIC. Nessa relação de mão dupla muitos jovens cubanos foram estudar na URSS e em outros países do Bloco Socialista, enquanto equipes de filmagem saíram a campo para registrar violentos conflitos resultantes dos processos de descolonização da África.
Consideramos interessante percorrer brevemente o começo da história desse organismo, o ICAIC, para compreender as razões para que ele se convertesse, em Cuba, em tão importante espaço de criação e sociabilidade, apto a receber, mesmo com o acirramento da Guerra Fria e o processo de “sovietização” por qual passou o país, cineastas identificados a diversos movimentos e orientações políticas. Em sintonia com o objetivo do Ministério da Educação de promover uma política de popularização dos bens culturais, a meta inicial do Instituto ao ser criado era produzir, prioritariamente, documentários e cine jornais que tivessem baixo custo e atingissem a população de toda a Ilha, em sua maioria, analfabeta. Previa-se uma meta inicial de produção anual de 10 longa-metragens e 50 documentários. Para alcançar essa tarefa bastante ambiciosa para um país em ebulição, fazia-se necessária a cooperação internacional, uma vez que Cuba não dispunha de número suficiente de quadros profissionais experientes, já que o cinema lá produzido, antes da revolução, provinha, em grande parte, de projetos de estúdios norte-americanos e mexicanos. Assim, vários convites foram feitos a profissionais europeus, principalmente a nomes do neorrealismo italiano, em função das afinidades estéticas com esse cinema, que, na visão dos cubanos, deveria ser uma das matrizes para o desenvolvimento da cinematografia nacional e da narrativa visual da história da Revolução.
Ao receber cineastas estrangeiros de distintas formações e orientações políticas (ainda que todos fossem simpatizantes da Revolução Cubana) e ao ser conformado por jovens cineastas, técnicos e artistas cubanos diversos (como desenhistas gráficos, músicos, poetas, artistas plásticos), muito dispostos à experimentação naquele clima revolucionário, o Instituto desenvolveu produções artísticas que em diversos momentos se distanciou das diretrizes da política cultural governamental formal (que previa uma arte essencialmente de propaganda). Podemos afirmar que o ICAIC se constituiu, portanto, como um organismo cultural com relativa autonomia e grande capacidade de atração de talentos - dentro e fora da Ilha - no campo artístico e intelectual.
A história cubana costuma atribuir ao ICAIC o lugar de “marco zero” da cinematografia nacional. No entanto, Juan Antonio Garcia Borrero2 informa a existência de uma produção nacional anterior, para a qual contribuíram os cineclubes e os diretores amadores, bem como a existência de intercâmbios internacionais já existentes, como o analisado por Emmanuel Vincenot, entre a Cinemateca de Cuba3 e a Cinemateca Francesa. O que esses trabalhos nos permitem entrever é a existência, antes da Revolução, particularmente em Havana, de circulação de ideias e projetos envolvendo a cinefilia e a produção de cinema. É claro, contudo, que essa disposição seria potencializada com a Revolução, a criação do ICAIC e a simpatia que tal projeto despertou em diversos cineastas europeus e latinoamericanos.
Alfredo Guevara (1925-2013) foi o dirigente que permaneceu por mais tempo à frente da presidência do Instituto (entre 1959 e 1982, e novamente entre 1992 e 2000), seguido por Julio García Espinosa (1926-2016), que ocupou essa função entre 1983 e 1991. Guevara não era um “homem do cinema”, mas foi escolhido pelo governo para ocupar esse cargo devido a uma política de alianças políticas por meio da qual se aproveitaram diversos quadros intelectuais do antigo partido comunista existente em Cuba em organismos recém criados sob a égide do Movimiento 26 de Julio. Não se pode ignorar, também, o vínculo pré-existente entre Guevara e Fidel Castro (velhos conhecidos desde tempos de movimento estudantil). Foi essa relação que, em muitas circunstâncias, garantiu a autonomia do Instituto ou as “vistas grossas” do governo para as produções fílmicas de conteúdo crítico, para algumas celebridades que costumavam dar declarações polêmicas (como Glauber ou Godard) ou para alguns “excessos de formalismos” pouco apreciados por dirigentes ligados à burocracia estatal, e presentes, segundo essa ótica, na Nouvelle Vague ou no free cinema.
Até 1975, Guevara, como presidente do ICAIC atuou, na prática, com poder semelhante ao de um ministro da cultura, participando diretamente de reuniões governamentais e da organização de eventos (congressos, encontros, colóquios) que determinavam os rumos da política cultural, bem como o destino de editoras, revistas, grupos artísticos e intelectuais de outros setores. Esses dados nos ajudam a compreender a relativa autonomia do Instituto, a qual permitiu que este abrigasse tantos visitantes estrangeiros e até financiasse determinado projetos que não obedeciam propriamente aos quesitos das produções nacionais
O Noticiero ICAIC Latinoamericano que existiu até 1990, foi o último grande cinejornal americano a desaparecer, uma das razões que justificaram uma importante ação de digitalização e preservação de seu acervo, bem como a realização de um documentário a seu respeito.4 (As edições do Noticiero estão disponíveis em https://www.inamediapro.com/Collections/Collection-Actualites-Cubaines-ICAIC)
Além da importante função de veículo de propaganda da Revolução no mundo todo, o Noticiero reuniu imagens captadas em inúmeros locais do globo, inclusive de muitos países em conflito (Vietña, Congo, Angola, Nicarágua, Chile). Em suas edições há registros dos principais eventos históricos mundiais, portanto, mais que “latinoamericano”, como sugeria seu nome, esse cinejornal assumiu um discurso terceiromundista e é sem dúvida, um documento das conexões transnacionais propiciadas por Cuba. Filmado em branco e preto, com o formato de 10 minutos, o noticiário semanal era produzido por uma equipe coordenada por Santiago Alvarez e Humberto García Espinosa, distribuído para todas as salas de cinema do país, e obrigatoriamente exibido antes de cada sessão e como parte da programação das sessões itinerantes dos cines-móveis. Algumas de suas edições também circularam por festivais, congressos, encontros da juventude comunista, e eventos de apoio a Cuba em diversas partes do mundo. Em sua elaboração eram utilizadas estratégias para que a linguagem fosse ágil e bem humorada, como colagens, sobreposições, intertítulos com farta exploração de grafismos, aproveitamento de caricaturas, animações, jornais, panfletos, canções. Houve assim, considerável uso de material produzido para TV, por cineastas estrangeiros, cinegrafistas amadores, fotógrafos, entre outros. O criativo uso de foto-fixa, música popular, bem como a inserção de entrevistas, recursos gráficos e animações compensavam algumas dificuldades da produção, do parco equipamento e de outras agruras econômicas. Sob a supervisão de Santiago Álvarez, que imprimiu uma marca muito peculiar aos Noticieros e se consagrou como diretor do Departamento de Documentários do ICAIC, esse cinejornal foi um importante “cartão de visitas” do ICAIC e da Revolução Cubana, tendo sido exibido, fora da Ilha, quase sempre em circuitos independentes. Uma de suas edições, em 1965, sobre a repressão ao movimento negro nos Estados Unidos, circulou de forma independente com o título Now, apresentando como trilha sonora uma canção homônima, interpretada por Lena Horne.
A década de 1960, em que o Noticiero se aprimora em termos estéticos e muitos filmes são rodados em Cuba, é considerada um “período dourado” para o cinema cubano. Não apenas circulavam na Ilha cineastas de várias partes do mundo, como eram exibidos filmes das mais variadas tendências e pairava um clima de profundo otimismo em relação ao desenvolvimento da cinematografia nacional. As produções feitas na Ilha circulavam rapidamente fora do país em festivais variados como Leipzig, Oberhausen, Pesaro, Viña del Mar, Moscou, Karlovy Vary (República Checa), entre outros, boa parte deles realizados em países socialistas, naquele momento, e voltados principalmente à produção documental.
Nessa década, muitos cineastas estrangeiros voluntariamente se dispuseram a colaborar com o ICAIC, enquanto outros foram convidados oficialmente pelo governo, dada a urgência de aprendizado dos realizadores cubanos. Num artigo da revista Cine Cubano de 1969, que fez um balanço dos dez primeiros anos do Instituto, contabilizando os visitantes renomados, lemos: “Prominentes cineastas extranjeros nos visitan. El primero, Gérard Philipe. Después llegarian Zavattini, Sadoul, Ivens, Christensen, Karmen, Marker, Kalatosov, Chujrai, Varda, Wadja, Gaal, Eceiza, Richardson, Brooks, McLaren, Rosi, Godard...”5
Nesta edição, em comemoração ao 10º aniversário do ICAIC, são lembrados, nos três minutos finais, os cineastas estrangeiros que passaram pelo Instituto e filmaram em Cuba.
Também foram muito importantes as oportunidades que se descortinaram para que jovens cubanos participassem de festivais, frequentassem oficinas e cursos de formação técnica no exterior, mediante convites e bolsas oferecidos por outros governos socialistas (principalmente destinados a escolas de cinema em Moscou, Praga ou Lodz, na Polônia). A partir dos anos 1970, a colaboração militar do governo cubano nas guerras de independência africanas foi acompanhada da concessão de bolsas para que jovens estudantes africanos viessem a Cuba aprender técnicas de filmagem e edição. Vemos portanto que há um significativo intercâmbio transatlântico, envolvendo a presença de estrangeiros no ICAIC (provenientes principalmente da Europa, Ásia, África e América do Sul), tanto na condição de aprendizes como na de profissionais (cineastas, fotógrafos, roteiristas e críticos). Também observamos uma significativa circulação de cineastas cubanos pelos festivais internacionais, deste e do outro lado do Atlântico, e de jovens cubanos aspirantes a ingressar no meio cinematográfico, por cursos e escolas de cinema, predominantemente no mundo socialista.
A primeira resposta, encontrada pelos cubanos, em sua busca de um cinema compatível com a realidade da América Latina e o contexto cubano, veio do neorrealismo italiano. Uma das primeiras visitas recebidas pelo ICAIC, em 1959, foi, não coincidentemente, a de Cesare Zavattini, que já havia visitado Cuba antes da Revolução a convite da Sociedad Cultural Nuestro Tiempo, que reunia jovens universitários de esquerda, aficcionados em cinema e nas expressões artísticas de vanguarda, de um modo geral.
Uma leva de profissionais italianos veio ao ICAIC para colaborar nas mais diversas funções, principalmente aquelas associadas à direção e produção. Um desses visitantes, Otello Martelli, chegou a Cuba em outubro de 1959, acompanhado do operador Arturo Zavattini, e realizou a direção fotográfica de dois episódios do filme Historias de la Revolución, primeiro longa-metragem de Tomás Gutiérrez Alea, estreado em 1960 e considerado um dos primeiros filmes “da Revolução”. Outra obra que alimentou discussões sobre o neorrealismo foi a realizada a partir de um argumento proposto por Cesare Zavattini, o filme El Joven rebelde (1961), de Julio García Espinosa, cuja fotografia esteve a cargo do espanhol Juan Mariné. Esse filme possuía a estrutura de muitos filmes soviéticos exortadores do chamado “herói positivo”, e que seguiam uma estrutura padrão evolutiva, um processo de auto-superação pelo qual o personagem principal vencia desafios e passava por provas ou “ritos de passagem” que o conscientizavam da importância de sua total entrega à causa revolucionária.
Essa estratégia narrativa de revelação gradual, pela qual o espectador descobria a “mensagem” aos poucos, a partir de um processo crescente de percepção da realidade e de aquisição da consciência política, agradou o público e o governo, tendo sido reiterada em outras produções do ICAIC nas décadas seguintes – caso de El Brigadista (Octavio Cortázar, 1977). Os cineastas, entretanto, ansiavam por novas formas, almejavam desenvolver estéticas próprias, latinoamericanas por excelência. Assim, se iniciou no Instituto um debate acerca do realismo, do cinema italiano recente e de outras manifestações europeias contemporâneas. O julgamento de filmes não realistas como La dolce vitta (1960, de Federico Fellini) e Hiroshima, mon amour(1959, de Alain Resnais) e a conveniência ou não de sua exibição em Cuba foram candentes temas de discussão no início da história do ICAIC. Essas discussões envolveram pesquisas de opinião junto ao público cubano, encomendadas pelo governo, a fim de demonstrar aos cineastas entusiastas dessa produção de vanguarda o quanto tais filmes não eram “compreendidos” pelo povo. Também ocorreram tensas mesas-redondas, no ICAIC, acerca da liberdade formal e do tipo de cinema que seria mais adequado ao contexto cubano, e, de forma mais ampla, à realidade latinoamericana. Nessas ocasiões, se delineava uma polarização entre cineastas defensores do experimentalismo artístico e intelectuais ligados ao velho partido comunista cubano, simpatizantes do realismo socialista. Não era raro que dessas mesas participassem cineastas ou convidados estrangeiros em passagem por Cuba, como aconteceu, por exemplo, com Mikhail Kalatosov, em 1963.6
Nesse período, também não foram poucas as repercussões e polêmicas que envolveram o free cinema. Uma das primeiras exibições do free cinema na Ilha ocorreu em 1960, na ocasião da visita do cineasta independente norte-americano Albert Maysles, que exibiu, em sessão privada, seu documentário Primary (1960). Ainda que as conexões entre Cuba e Europa tenham sido muito expressivas no campo cinematográfico, nesse período, a proximidade dos Estados Unidos e o interesse dos cubanos pelo cinema independente norte-americano, somados à circulação dos filmes do ICAIC por alguns festivais e circuitos alternativos, resultaram em intercâmbios culturais importantes entre esses dois países.
O free cinema pressupunha filmagens em 16mm, sem roteiro ou qualquer preparação prévia ou interferência da equipe, uso de câmera escondida ou câmera na mão (sem tripé), captação do som ambiente, enfim, recursos que encantaram alguns jovens cineastas que, fora do ICAIC, de forma experimental, realizaram o curta-metragem P.M. (Orlando Jiménez Leal e Sabá Cabrera Infante, 1961).
O curta, entretanto, que mostrava a vida boêmia na região portuária de Havana, logo foi usado por Fidel Castro como exemplo do que não deveria representar o “cinema da revolução”, ou de forma mais ampla, a “arte da revolução”. A censura à exibição dessa obra e o manifesto dos cineastas do ICAIC contra tal proibição foram o estopim para que Fidel formulasse, em 1961, o primeiro discurso considerado indicativo da política cultural governamental pós-Revolução: o discurso Palabras a los intelectuales. O chamado “Caso PM” foi o primeiro impasse que permeou o meio cinematográfico cubano, ficando muito claro que não seria simples aos cineastas do ICAIC ou aqueles que lá produzissem seus filmes ousarem em suas realizações. Ainda assim, alguns filmes ambíguos, alegóricos ou provocativos politicamente chegaram a ser realizados, como Memorias del Subdesarrollo (Tomás Gutiérrez Alea, 1968), Coffea Arabiga (Nicolás Guillén Landrián, 1968), De cierta manera (Sara Gomez, 1974-77), Los sobrevivientes (Tomás Gutiérrez Alea, 1978), Techo de vidrio (Sergio Giral, 1982), Alicia en el pueblo de maravillas (Daniel Díaz-Torres, 1991), Fresa y Chocolate (Tomás Gutiérrez Alea, 1993), entre outros. Os cineastas aproveitaram algumas brechas (possibilitadas por certa autonomia que o ICAIC tinha em seu funcionamento) e conseguiram realizar essas produções que, no entanto, nem sempre puderam chegar ao público. A história de muitos dos filmes produzidos pelo ICAIC e de sua repercussão nos permite vislumbrar a dinâmica das complexas negociações que se estabeleceram entre o Instituto, os cineastas que o integraram e o governo cubano.
Ao longo da década, foram diversas as coproduções e os visitantes recebidos pelo ICAIC. Junto com uma grande quantidade de técnicos soviéticos que chegaram para “fazer o instituto funcionar” (operadores de câmera, eletricistas, iluminadores), vieram outros profissionais com alguma fama no mundo socialista como o cineasta da Alemanha Oriental (RDA) Kurt Maetzig (1911-2012), o diretor e ator tcheco Vladimir Cech (1951-2013) e o diretor russo Roman Karmen (1906-1978). Isso se deu principalmente após a opção do governo cubano pelo socialismo, em 1961, e o consequente movimento de aproximação dos países desse bloco, que, em pleno contexto da Guerra Fria, buscaram estreitar os laços com Cuba em termos políticos, econômicos e culturais. Em março de 1962, Cech dirigiu e elaborou o roteiro de Para quién baila La Habana (82 minutos), coprodução entre o instituto cubano e os estúdios Barrandov, que estrearia no ano seguinte. Maetzig, vinculado aos estúdios DEFA, veio pela terceira vez a Cuba, em 1962, para a filmagem de Preludio II, filme sobre a invasão de Playa Girón, com roteiro de Wolfgang Scheyer e tendo o cineasta brasileiro Iberê Cavalcanti (1935-) como assistente de direção. Karmen, que chegou em outubro de 1960, filmou alguns documentários sobre a nova realidade cubana (Cuba hoy, Alba de Cuba e La lámpara azul, esse último sobra a Campanha de Alfabetização de 1961).
Identificamos, portanto, diversos fluxos de visitantes que chegaram a Cuba para cooperar com o cinema da revolução: diretores e celebridades provenientes da Europa, em geral já consagrados mundialmente e simpatizantes da nova esquerda e do processo cubano; personalidades do Bloco Socialista, que contavam com estímulos governamentais para essa circulação (como o financiamento de sua viagem pelos partidos comunistas de seus países) e cineastas latinoamericanos exilados ou provenientes de outros países do Terceiro Mundo, que contavam com a solidariedade de Cuba para desenvolverem projetos de claro teor político, inviáveis em seus países de origem.
Essa farta presença é responsável por um número amplo de filmes em diversos formatos e metragens, para alguns dos quais chamamos a atenção pois documentam essa rica malha transatlântica que se formou em torno do ICAIC. Testemunham também intercâmbios culturais inusitados, além de opções estéticas as mais variadas, que resultaram tanto em obras de linguagem bastante convencional até em prolixas alegorias.
O cineasta holandês Joris Ivens (1898-1989), que já tinha uma ampla experiência com documentários de cunho social e político em diversos países, chegou na Ilha em setembro de 1960, contratado pelo ICAIC para organizar uma escola de documentaristas que, no entanto, existiu apenas de maneira informal. Ivens realizou, em 1961, com uma equipe cubana, Carnet de Viaje e Cuba, pueblo armado. Além de Ivens, o francês Chris Marker (1921-2012) também foi um “professor” no ICAIC, onde realizou o documentário Cuba si! (1961), cuja miscelânea de materiais imagéticos os documentaristas cubanos passaram a imitar. Dez anos mais tarde Marker voltou a Cuba e testemunhou o fracasso do projeto do governo de atingir a meta de produção de 10 milhões de toneladas de açúcar, registrando essa empreitada no filme La bataille des dix millions (1971). Além dos documentaristas já mencionados (como Karmen, Ivens e Marker), também merece destaque a fotógrafa e cineasta belga Agnès Varda, que, em 1962, convidada pelo ICAIC, fez em sua estada uma animação a partir de 1800 fotografias tiradas em várias regiões de Cuba e chegou a realizar quatro documentários na Ilha, dos quais teve maior destaque o último, Salut les Cubains (1963).
Muito antes da formulação da política internacionalista para o Terceiro Mundo, pelo governo cubano, já havia, também, cineastas latino-americanos no ICAIC. Oscar Torres (1931-1968), cineasta dominicano, foi um dos primeiros a se inserir no Instituto e realizou Realengo 18, obra sobre uma rebelião camponesa dos anos 1930 que não foi muito bem recebida na Ilha7. O dramaturgo e cineasta francês Armand Gatti (1924-2017) realizou, em 1962, El otro Cristóbal, filme que também não foi muito bem recebido pela crítica por ser considerado algo “delirante” ao utilizar, de forma alegórica, de mitos afrocubanos para satirizar as ditaduras da América Latina e o imperialismo norte-americano. Ugo Ulive (1933-), diretor uruguaio, permaneceu vários anos no Instituto e, além da adaptação do roteiro de Las doce sillas, realizou Crónica Cubana (1963), filme que recuperava o período histórico recente, entre a Revolução e o episódio de Playa Girón. Nesse mesmo ano estreava Soy Cuba (Mikhail Kalatosov, 1963), superprodução do ICAIC em parceria com a Mosfilm que resultaria num grande fracasso de público e de crítica, sendo inclusive rechaçado pelos governos dos dois países, razão pela qual ficou pouquíssimo tempo em cartaz, em Havana e Moscou. A interessante história desse filme, que décadas depois seria recuperado e valorizado nos Estados Unidos como filme cult, foi explorada pelo cineasta brasileiro Vicente Ferraz no documentário Soy Cuba – O mamute siberiano (2006).
A revalorização desse filme ocorreu após exibições em festivais norte-americanos (Telluride Film Festival e Festival de San Francisco) e a iniciativa de Martin Scorsese e Francis Ford Coppola de restaurarem e relançarem comercialmente a obra. Com essa legitimação, o filme, até então esquecido e considerado, em geral, de má qualidade, passou a ser visto como uma relíquia do cinema socialista, “exótico”, um registro impecável do estilo indiscutivelmente grandiloquente de Kalatosov. O documentário de Vicente Ferraz, cineasta que se formou em Cuba, na Escuela Internacional de Cine y TV de los “Tres Mundos”, em San Antonio de los Bãnos, trata justamente das tensões e desencontros que permearam o intercâmbio entre Cuba e URSS na realização desse ambicioso projeto binacional. Em 1964, o brasileiro Iberê Cavalcanti, também em Cuba, realizou dois filmes: Pueblo por pueblo, sobre a solidariedade cubana com o Vietnã, e Discriminación racial, crônica da luta por direitos civis nos Estados Unidos.
Em fevereiro de 1968, Jean-Luc Godard esteve em Cuba e foi recebido pelos nomes mais célebres do ICAIC: Alea, Guevara, Santiago Álvarez e García Espinosa. Realizou algumas filmagens e proferiu uma palestra. As reportagens em Cuba sobre sua visita, que seria seguida de uma temporada nos EUA, foram muito sintéticas e cautelosas, como se procurassem justificar a presença na Ilha de alguém que continuava a ser criticado por sua “estética pequeno-burguesa”, dado que a nouvelle vague era rechaçada pelos comunistas ortodoxos.
Dois anos antes, em janeiro de 1966, o Ano da Solidariedade, Cuba oficializara uma política internacionalista voltada para os países do “Terceiro mundo” realizando a Conferência Tricontinental. Nessa ocasião foi criada a já mencionada OSPAAAL (Organização de Solidariedade com os Povos da Ásia, África e América Latina), que, em parceria com o ICAIC, tornou possíveis várias filmagens de diretores cubanos na África e na Ásia. Filmes como La guerra olvidada (Santiago Álvarez, 1967), Hanoi, martes 13 (Santiago Álvarez, 1967), Madina Boé (José Massip, 1968) e 79 primaveras (Santiago Álvarez, 1969) foram resultados desse projeto terceiro-mundista8. Após a realização do Encontro da OLAS (Organización Latinoamericana de Solidariedad), em 1967, vemos uma importante aproximação dos cineastas latino-americanos em relação ao ICAIC, já desenhada nos festivais e encontros onde se gestaram os princípios e bandeiras do nuevo cine latinoamericano. No decorrer dos anos 1970, ao mesmo tempo em que se delineava o processo de “sovietização” nas estruturas políticas, o ICAIC, com apoio do governo cubano, assumiu gradativamente a missão de propiciar que o país se constituísse como “sede” do nuevo cine latinoamericano e passou a encampar um discurso que legitimava esse projeto e as proximidades da cinematografia cubana com a de seus vizinhos.
O convite de Alfredo Guevara a Glauber Rocha para que trabalhasse no ICAIC e lá realizasse um filme épico sobre a vida de Che Guevara também ilustra essa disposição. Glauber permaneceu pouco mais de um ano no ICAIC, vivendo em Cuba sob os auspícios do governo cubano entre 1971 e 1972, mas não realizou o filme previsto, apenas iniciando o pouco aplaudido História do Brasil (1971-74), em parceria com Marcos Medeiros.9
Acontecimentos políticos como as revoluções chilena e nicaraguense reforçaram o papel do ICAIC como fomentador e difusor dessa cinematografia latino-americana. Os cineastas chilenos, particularmente, produziram de forma significativa no ICAIC, nos anos 70 – caso de Patrício Guzmán, que viveu alguns anos em Havana, onde finalizou, com a colaboração de Pedro Chaskel, sua famosa trilogia documental La batalla de Chile: la lucha de un pueblo sin armas.10 Miguel Littín, exilado, chegou ao ICAIC em 1978 e realizou duas importantes coproduções11 focando a questão do autoritarismo na América Latina. No ano seguinte, Sergio Castilla realizou Prisioneros desaparecidos (1979) sobre a repressão política e a tortura em seu país. Nos anos 80, Pedro Chaskel esteve por muitos anos no ICAIC, onde realizou um documentário intitulado Qué es? (1980) e vários outros sobre Che Guevara, caso de Una foto recorre el mundo (1981) e Constructor de cada día (1982).
Após a revolução nicaraguense, o ICAIC participou ativamente da constituição do ISCN, Instituto Sandinista de Cine Nicaraguense. Ao longo dos anos 80 vários diretores chilenos, temporariamente em Cuba, voltaram suas lentes para a Nicarágua, com apoio do ICAIC: Miguel Littín realizou Alsino y el condor (1982), coprodução entre Cuba, Costa Rica e México, e Iván Arguello, Mujeres de la frontera (1986).
Além disso, a realização em Havana, a partir de 1979, do Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano, bem como a criação, em 1985, da Fundación del Nuevo Cine Latinoamericano e, no ano seguinte (1986), da Escuela Internacional de Cine y TV de los "Tres Mundos", em San Antonio de los Baños, contribuíram, política e ideologicamente, para fortalecer um discurso que celebrava Cuba como sede do cinema politicamente engajado da América Latina, discurso esse ainda muito vivo na Ilha.
Em 1969 foi criado o Grupo de Experimentación Sonora del ICAIC (GESI ou, simplesmente GES), encarregado de compor as trilhas sonoras das produções do ICAIC. Sua criação se deu por iniciativa de Alfredo Guevara que, após uma viagem ao Brasil, e impressionado com a adesão da juventude à música popular brasileira (notável no Tropicalismo e nos festivais da canção transmitidos pela televisão, aos quais acudiam fervorosas plateias), reuniu maestros do meio erudito e um notável grupo de músicos cubanos. Alguns dos músicos reunidos eram Pablo Milanés(1943-),Silvio Rodríguez (1946-), Noel Nicola (1946-2005), Sara González (1949-2012), Sergio Vitier, entre outros artistas que, naquele momento, não eram bem vistos pelo governo cubano por suas composições intimistas, consideradas individualistas ou pouco exortativas da Revolução e do “homem novo”.
Esses músicos não haviam aderido às formas convencionais da “canção de protesto” e vários deles estavam proibidos de fazerem apresentações púbicas ou terem suas músicas divulgadas por emissoras de rádio. Sob a coordenação do maestro Leo Brouwer (1939-), o Grupo passou a estudar os arranjos das músicas dos Beatles (então proibidos nas rádios da Ilha, em função do rock ser considerado um “gênero do imperialismo”) e dos discos tropicalistas, a fim de incorporarem fórmulas criativas de um som pretensamente universal que extrapolasse os padrões da canção de protesto (esta mais vinculada à sonoridade de gêneros musicais folclóricos, ou não urbanos). O jazz, os gêneros tradicionais cubanos, o batuque, bem como a música eletroacústica e o rock progressivo foram incorporados nas composições do GES. As trilhas compostas pelo GES são um exemplo do resultado da circulação de referências musicais múltiplas (ainda que algumas fossem oficialmente barradas no país), e o sucesso alcançado por sua sonoridade, junto à população que se contagiou pela música que ouvia no cinema e rapidamente se interessou por conhecer “aquela banda”, pressionou o governo cubano a incorporar esse grupo e a lhe dar a devida visibilidade, com a gravação de LPs e a realização de shows.
Todas as canções que compõem o LP acima podem ser ouvidas em: (https://www.allmusic.com/album/grupo-de-xperimentacion-sonora-del-icaic-vol-2-mw0000708608)
Esse processo gradativo de institucionalização da música pouco convencional do Grupo ocorreu sob a forma da consagração oficial do Movimento de la Nueva Trova (MNT), e a vinculação dessa música como um “resgate” e uma atualização do gênero trova cubana. A partir de 1972, o agora MNT (de alcance mais abrangente que o GES) passava a contar com os auspícios do governo e a cumprir metas de realização de festivais pelo interior do país. Silvio Rodríguez e Pablo Milanés, de músicos “malditos” foram alçados à condição de embaixadores da cultura cubana e passaram a realizar turnês internacionais, entre as quais merece destaque a realizada no Chile, junto com Noel Nicola e Isabel Parra, em setembro de 1972.
Temos, na música produzida no âmbito do ICAIC, um exemplo da “usina sonora” que se constituiu nesse país, mesclando gêneros musicais os mais variados internacionalmente, como jazz, rock progressivo, canção de protesto norte-americana, bossa nova, canção de protesto latino-americana , música serial, além de um vasto cardápio de ritmos e gêneros cubanos
A cada lançamento de filme, um cartaz era encomendado a artistas plásticos e desenhistas. Para tal difusão, foi criado o Departamento de Publicidad, no ICAIC, dirigido inicialmente por Saúl Yelín. Colaboraram nesse departamento, e com inúmeros cartazes para cinema, uma série de desenhistas e pintores, como Alfredo Rostgaard, adepto da pop art e autor de um famoso cartaz, em serigrafia, do documentário Now (1965), de Santiago Alvarez; e Raúl Martinez, autor da serigrafia colorida para o filme Lucía, de Humberto Solás, em 1968, em estilo pop; dentre outros nomes como Felix Beltrán, Rafael Morante, Antonio Fernández Reboiro, René Azcuy, Fernando Pérez O´Reilly, Holbein Lopez e José Lucci. Eventualmente, artistas plásticos famosos de Cuba como René Portocarrero (autor do cartaz de Soy Cuba, de Mikhail Kalatosov, 1964), Servando Cabrera Moreno (autor do cartaz de Retrato de Teresa, de Pastor Vega, 1979) e outros mais, eram convidados para criar cartazes para filmes nacionais ou recriar cartazes de filmes estrangeiros.
Os cartazes de filmes cubanos, que marcavam a memória visual e orientavam previamente o olhar do espectador para uma determinada interpretação ou disposição em relação ao filme a ser visto, ganharam “vida própria”, conquistaram fama internacional e foram compilados e reproduzidos em luxuosos catálogos, produzidos fora de Cuba, nos anos 60 e 70, dada sua diversidade estética.12 Tal diversidade nos mostra que o ICAIC foi um lugar de encontros e trocas transatlânticas que resultaram em novas criações estéticas as quais, por sua vez, circularam depois mundialmente acompanhando inicialmente a divulgação dos filmes e depois, de forma mais autônoma, como exemplo da qualidade da arte gráfica cubana.
Esses cartazes não se destinavam apenas a registrar estreias de filmes, mas também datas de aniversário do Instituto, da Revista e da Cinemateca, bem como mostras e ciclos do ICAIC, os festivais do nuevo cine latinoamericano, o cine-móvel, exposições, campanhas e colóquios. Os cartazes que até hoje cobrem teto e paredes do saguão de entrada do edifício principal do ICAIC, revelam elementos de figurativismo, surrealismo, pop art, cubismo, foto-colagem, etc.
Dentre os muitos colaboradores do ICAIC, o pintor Eduardo Muñoz Bachs (1937-2001), que começou a atuar no Instituto em 1960 (seu primeiro cartaz foi produzido para o filme Historias de la Revolución), se consagrou como o mais premiado cartelista cubano. Além de ter produzido cerca de 800 cartazes, seu estilo bastante poético e bem humorado, povoado de pierrôs, palhaços e outras figuras que remontam ao universo da fantasia, ilustra a influência da gráfica polonesa e tcheca em Cuba, também presente na obra de Antonio Fernández Reboiro. Este e Bachs se diferenciavam de artistas de estilo um pouco mais austero, como Felix Beltrán, formado na URSS. Via de regra, aqueles que se entusiasmavam pela gráfica do Leste Europeu aderiam a estilos leves, inspirados em Toulouse Lautrec e nos pintores suíços dos anos 1920, se baseavam em técnicas de off-set, litografia manual, sobreposição de fotomontagem, pintura e ilustração, explorando fartamente cores intensas e formas minimalistas. A influência soviética, por sua vez, legou aos cartazes do ICAIC a incidência dos grafismos (que também se pode observar nos documentários de Santiago Álvarez e nos Noticieros): títulos de formato inspirado na gráfica japonesa, letreiros de vários tamanhos, cores e estilos; foto-colagem, letras em movimento, truques que promoviam ilusão de ótica, paródias de cartuns, etc.
Em 1967, o ICAIC adquiriu um laboratório de serigrafia especialmente destinado à confecção de cartazes (até então impressos, em sua maioria, no exterior) e, durante a década de 70, até a crise econômica que se inicia nos anos 80, houve a profusão de cartazes de estilo pop, alguns “psicodélicos”, de traços e cores exuberantes, muitas vezes associados a mensagens políticas. Nessa fase alguns cartelistas partiram para ousadas buscas formais, principalmente Reboiro e Muñoz Bachs, sendo bastante criticados por isso. As transformações podem ser vistas nas capas da revista Cine Cubano, bastante “berrantes” na década de 80 (a capa do número 97, 1980, por exemplo, ostenta uma estrela vermelha sobreposta a estrelas amarelas que saltam de um negativo de filme muito azul). Apesar da variação de técnicas e estilos, a presença de ícones militares típicos da propaganda ideológica da URSS foi intensa: fuzis, capacetes, botas e toda a simbologia bélica acompanharam os cartazes e filmes do ICAIC por várias décadas.
Com o enrijecimento da política cultural governamental que ocorreu a partir de 1971, houve alguma repetição de símbolos e formas. De toda forma, o caso das artes gráficas promovidas pelo Instituto nos revela como uma experiência bastante eclética, e que não era aquela endossada oficialmente pela política cultural, emergiu no ICAIC e correu o mundo. A cartazística e as trilhas sonoras experimentais produzidas dentro desse Instituto de Cinema também contribuíram para a circulação internacional dos filmes, perfazendo um interessante circuito que neste texto procuramos traçar, ao evidenciarmos os diversos tipos de intercâmbios transnacionais e de conexões transatlânticas que se produziram no ICAIC e a partir dele.
Disposição patente em eventos como a Conferência Tricontinenal em 1966, que fundou a OSPAAAL (Organização de Solidariedade com os Povos da Ásia, África e América Latina) e o Encontro da OLAS – Organización Latinoamericana de Solidariedad, em 1967.
Juan Antonio Garcia Borrero, A Guía Crítica del Cine Cubano de Ficción (La Habana: Editorial Arte y Literatura, 2001), 17.
Sua fundação oficial data de 1960, mas, na realidade, a Cinemateca existiu antes da Revolução e ainda que sob condições precárias (sem sede própria), entre 1951 e 1956.
Sobre esse incrível acervo e a história desse cinejornal há o documentário Memória Cubana (Alice de Andrade e Ivan Nápoles, 2010, 71 minutos, VOSTF).
“Cine Cubano 1959-1969”, Cine Cubano no. 54-55 (1969): 126.
Esse assunto foi tratado em detalhe no terceiro capítulo do livro: Mariana Villaça, Cinema cubano: revolução e política cultural, (São Paulo, Alameda, 2010).
Sobre esse filme existem poucos comentários: a obra não foi aceita pelo ICAIC supostamente porque nela havia um certo “exagero de vitalidade e de realismo”. Eduardo Manet, “Cine Cubano 1961”, Revista Casa de las Américas II, no. 9 (1961): 126-128. Elizabeth Sutherland, “Cinema of Revolution: 90 Miles from Home”, Films Quartely 15, no. 2 (1961): 42-49.
O historiador Alexsandro de Sousa e Silva desenvolve no Programa de Pós Graduação em História Social, na Universidade de São Paulo, um doutoramento cujo título é A câmera e o canhão: a circulação das imagens cinematográficas entre Cuba e países africanos (1960-1991).
Sobre essa fase entre 1969 e 1975, em que Glauber aspira a um projeto de cinema “tricontinental”, Maurício Cardoso desenvolveu artigos e uma tese de doutorado na Universidade de São Paulo.
Composta por La insurreción de la burguesia (1973-75), El golpe de estado (1973-76) e El poder popular (1973-77).
El Recurso del Método, coprodução cubana-mexicana-francesa, com roteiro de Jaime A. Shelley e Regis Debray, e La viuda de Montiel (coprodução venezuelana-mexicana-colombiana-cubana), estrelada por Geraldine Chaplin.
Há o catálogo The art of Revolution, Castro’s Cuba 1959-1970, (New York: McGraw Hill, 1970), com apresentação de Susan Sontag e Dugald Steimer, publicado em várias línguas. Outro exemplo é Cuba ansche affiches, (Amsterdam: Stedelyk Museum, 1971).