The Book of Knowledge entre o "Velho" e o "Novo" Mundo: história de uma enciclopédia.
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O Franklin Book Programs foi um programa não governamental norte-americano dedicado à promoção do mercado editorial e ao incentivo às práticas de leitura durante a Guerra Fria. Estima-se que, entre 1952 e 1978, período em que se manteve em atividade, ele tenha sido responsável pela publicação de mais de 3.000 títulos e de 50.000 volumes – a maior parte, traduções de livros originalmente publicados em inglês. Beneficiário de fundos públicos e privados, o programa tinha como principais fontes de recursos o governo dos Estados Unidos, através da United States Information Agency (USIA) e da United States Agency for Internation Development (USAID); fundações como Ford, Commonwealth, Kellogg e Rockefeller; governos locais; e, mais timidamente, venda de livros.
Em virtude da escala global de sua atuação, é imperioso, ao tratar do Franklin, considerar sua presença no sudeste da Ásia e no Oriente Médio, regiões em que investiu inicialmente. Do mesmo modo, por se tratar de um programa norte-americano, há que se considerar o histórico das agências de Estado e fundações daquele país na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, a fim de demonstrar que o Franklin se inscreveu em uma tradição da diplomacia cultural praticada pelos Estados Unidos e amplamente vigorante entre as décadas de 1940 e 1960, quando as políticas de tradução e distribuição de livros começaram a servir como vetores de um imperialismo cultural. Esses são os temas de que se tratará inicialmente neste verbete. Após essa apresentação geral, será adotada uma perspectiva atlântica, com ênfase nas experiências do programa na América Latina e na África subsaariana. Assim, embora ele tenha vigorado entre 1952 e 1978, nosso foco será no período compreendido entre 1961 e 1973, de quando constam os registros de atuação do programa nos dois continentes.
Os objetivos autodeclarados do Franklin Book Programs eram "fortalecer a posição dos EUA e do mundo livre e preservar a paz mundial"; "aumentar a distribuição estrangeira dos livros americanos"; "ajudar os povos do Oriente Médio e, assim, promover o bem-estar da humanidade". O claro direcionamento inicial para o Oriente Médio é a razão pela qual o Franklin estabeleceu seus escritórios piloto primeiro no Cairo, Egito, em 1953, e, em seguida, em Teerã, no Irã. Nos anos seguintes, foram abertas outras filiais na região e no sudeste asiático: Tabriz, também no Irã; Cabul, no Afeganistão; Beirute, no Líbano; Bagdá, no Iraque; Lahore, no Paquistão; Daca, em Bangladesh; Jacarta, na Indonésia; Kuala Lumpur, na Malásia; e na cidade-Estado de Singapura. Os idiomas iniciais das traduções do Franklin foram árabe, persa, indonésio, urdu e bengalês. Foi nesses idiomas que o programa publicou seu principal empreendimento editorial: a Enciclopédia Columbia-Viking. O português e o espanhol só apareceriam na década de 1960, quando o programa iniciou suas atividades na América Latina, primeiro em Buenos Aires, na Argentina, em 1964, seguindo pela Cidade do México e por Rio de Janeiro e São Paulo, no Brasil, em 1965. Na África subsaariana, foram priorizadas ex-colônias britânicas, que já tinham como língua oficial o inglês. Os primeiros escritórios locais foram na Nigéria e em Gana, em 1964, seguidos pelos da África Oriental: Quênia, Tanzânia e Uganda, em 1966.
A história do programa remete a um evento realizado no Pavilhão Whittall da Biblioteca do Congresso (Library of Congress), em Washington, D.C., em 1951. Sob a justificativa de promover uma discussão sobre a carência de livros nos países "em desenvolvimento", o encontro foi promovido por bibliotecários e editores vinculados ao Comitê de Relações Internacionais (International Relations Committee) da Associação Americana de Bibliotecas (American Library Association) e ao Comitê de Comércio Exterior (Foreign Trade Committee) do Conselho Americano de Editores de Livros (American Book Publishers Council), que viria a se tornar a Associação de Editores Americanos (Association of American Publishers). Estiveram presentes, entre outros, Francis R. St. John, representante da Biblioteca Pública do Brooklin, em Nova Iorque; Datus C. Smith Jr., da Editora da Universidade de Princeton; Dan M. Lacy, da Biblioteca do Congresso, então cedido à Administração de Informações Internacionais (International Information Administration, IIA) do Departamento de Estado; Dana J. Pratt, do Escritório de Publicações da Biblioteca do Congresso (Library's Publishing Office); Verner Clapp e Luther H. Evans, ambos da Biblioteca do Congresso. Evans também era membro da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, UNESCO, e seria empossado diretor geral da organização dois anos mais tarde, em 1953. A proposta de instituir um programa dedicado a fomentar o mercado editorial fora dos Estados Unidos teria partido de Verner Clapp, quem, a certa altura do evento, convocou todos os presentes a traçarem um plano de ação. Era o início do Franklin Publications Inc., que, a partir de 1964, em virtude da ampliação e diversificação de suas atividades, passaria a ser chamado de Franklin Book Programs Inc.. O nome do programa homenageava Benjamin Franklin, um dos pais fundadores dos Estados Unidos, considerado o primeiro editor profissional do país.
Inicialmente, o programa restringia-se às traduções de livros norte-americanos no exterior, mas, com o passar dos anos, suas atividades passaram a incluir: 1) publicação de revistas semanais, dicionários e enciclopédias; 2) treinamento e apoio técnico a livreiros, editores, revisores, ilustradores e profissionais da indústria gráfica; 3) realização de eventos associados à produção editorial; 4) formação de bibliotecas escolares. As traduções permaneceram, contudo, como atividade central do programa. Os escritórios locais do Franklin convocavam editores e autores a quem cabia a função de indicar o tipo de livro que desejavam ver traduzidos em seu país (por área, tema e perfil dos possíveis leitores). Em seguida, as solicitações eram encaminhadas à sede do programa, em Nova Iorque, onde grupos de especialistas faziam a lista de títulos adequados ao pedido, efetuavam a compra dos originais em inglês e dos direitos de tradução. Os principais editores parceiros do programa nos Estados Unidos foram Malcolm Johnson, da Van Nostrand, Robert T. Crowell, da Crowell, Robert F. de Graff, da Pocket Books, Charles E. Griffith, da Silver Burdett, e George P. Brett, da Macmillan Company. Os livros pré-selecionados cruzavam o oceano de avião, atestando a abundância de recursos de que o programa dispunha e a celeridade com que ele operava. Recebidos pelas filiais, eram filtrados em uma seleção final e enviados a editores locais para publicação (info. 1). O circuito visava, ao mesmo tempo, à ampliação do público leitor para autores norte-americanos e ao fortalecimento daquilo que se designava "culturas editoriais nativas" ("indigenous publishing culture"). Trava-se de profissionalizar o processo editorial nos diversos países em que o Franklin atuava, criando circuitos de comunicação e aprimorando a qualidade técnica dos livros.
O mecenato editorial não era uma absoluta novidade para os Estados Unidos. Durante e imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, o Conselho de Livros em Tempos de Guerra (Council on Books in Wartime, CBW) assegurou a edição e distribuição internacional de livros em formato pequeno e com baixo valor de venda. Sua principal publicação foi a coleção "Edições Ultramarinas e Transatlânticas" ("Overseas and Transatlantic Editions"), um conjunto de cinquenta e um títulos traduzido para cinco idiomas e multiplicado em oito milhões de exemplares. A publicação foi resultado da parceria do conselho com o Escritório de Informação de Guerra (Office of War information, OWI), o principal responsável pela propaganda norte-americana durante o conflito. Estima-se que, entre 1943 e 1947, 1.300 títulos em 124 milhões de volumes tenham sido distribuídos pelo conselho na Europa, no norte da África e no Pacífico. Nas Américas, o Escritório do Coordenador de Assuntos Inter-Americanos (Office of the Coordinator of Inter-American Affais, OCIAA), coordenado por Nelson Rockefeller, garantiu a integração hemisférica ao longo da década de 1940 através de um conjunto de atividades – como intercâmbio de professores e jornalistas, produção de conteúdo para rádio e cinema, etc. - que também incluía a tradução de livros.
Em 1949, a Cooperativa de Remessas Americanas para a Europa (Cooperative for American Remittances to Europe, CARE), em parceria com a UNESCO, iniciou a distribuição de livros técnicos e científicos para escolas e bibliotecas na Europa e na Ásia. O principal encarregado da seleção dos títulos era Luther H. Evans. Os livros eram enviados por destinatários selecionados pela UNESCO, na pessoa de Milton Eisenhower, titular da cadeira norte-americana na organização e irmão do futuro presidente dos Estados Unidos Dwight Eisenhower. A distribuição incluía Áustria, Bélgica, Checoslováquia, Finlândia, Itália, França, Grécia, Holanda, Noruega, Polônia, Grã-Bretanha, zonas americana, britânica e francesa da Alemanha, Coreia e Japão. As atividades sintonizavam-se ao esforço norte-americano de reconstrução da Europa no pós-guerra, que a memória histórica cristalizou em torno do Plano Marshall. Se ele era direcionado para a recomposição econômica do continente e para a erradicação da fome física de seus habitantes, assegurando relações de dependência aos Estados Unidos e confirmando sua hegemonia no pós-guerra, o CBW e a CARE voltavam-se para a erradicação da "fome de livros". O conceito "book hunger" apareceu pela primeira vez na Inglaterra, no final do século XIX, para fazer referência às comunidades rurais iletradas, onde os livros não chegavam. Ele foi recuperado após a Segunda Guerra, em face da destruição do sistema editorial europeu causada pelo racionamento, pela censura e pela destruição do espaço físico causada pelas ocupações ou pelos bombardeios. A escassez de livros não era, entretanto, um fenômeno exclusivo da Europa. A UNESCO calculava, em 1951, que metade da população mundial, então estimada em 2 bilhões de pessoas, era analfabeta. A maior parte delas concentrava-se na Ásia e na África, onde, segundo a organização, somavam-se à escassez de livros o subaproveitamento do solo, a desnutrição e as doenças endêmicas.
No âmbito do Departamento de Estado norte-americano, as práticas de fomento ao livro estavam, no início dos anos 1950, limitadas à recém-criada Administração de Informações Internacionais (IIA), responsável por apoiar a política externa norte-americana por meio de programas de difusão cultural e intercâmbios educacionais. Dan M. Lacy ressentia-se da pouca profissionalização dessas atividades, uma vez que os títulos eram selecionados por burocratas e não por especialistas do mercado editorial. Sua participação nos esforços de criação do Franklin, nesse sentido, atestava o desejo de profissionalizar o campo através da curadoria de bibliotecários de formação e da parceria com editoras universitárias e comerciais. Lacy garantiu que o IIA endossasse a criação do Franklin e assegurasse meio milhão de dólares para custear suas atividades iniciais. A natureza das atividades do Franklin, contudo, encontrou resistências entre os membros do Departamento de Estado afinados com a agenda política do senador Joseph McCarthy, desejosos de que as políticas editoriais servissem cada vez mais à campanha internacional dos Estados Unidos contra o comunismo. O senador bradou contra as bibliotecas estrangeiras conservadas com recursos norte-americanos e contra a publicação de "autores subversivos", afirmando que as atividades editoriais fomentadas pelo Departamento de Estado deveriam corresponder claramente aos interesses políticos nacionais.
As pressões de McCarthy e dos macarthistas levaram à transformação, em 1953, do IIA em USIA, a Agência de Informação dos Estados Unidos (United States Information Agency). Diretamente vinculada ao Departamento de Estado, a agência encontrava precedentes legais na Lei Smith-Mundt, datada de 1948, e possuía um programa específico voltado para as traduções de livros: o Book Development Program. Dan Lacy foi no princípio incorporado à estrutura da USIA, mas, poucos anos mais tarde, a radicalização política da agência, expressa na crescente produção de conteúdo anticomunista, conduziu ao seu afastamento do Departamento de Estado e à sua recondução ao posto original na Biblioteca do Congresso. Desde então, os dois programas – Franklin e USIA – atuaram em paralelo, a despeito de projetos editoriais comuns. O livro "This I believe", de Edward Murrow, diretor da USIA, por exemplo, foi uma das primeiras publicações patrocinadas pelo Franklin no Oriente Médio e no sudeste da Ásia, já em 1953. Embora o programa permanecesse gozando de recursos governamentais, entretanto, a continuidade de suas atividades só foi possível graças aos repasses das fundações.
A relação entre as fundações privadas e o governo norte-americano sempre foi estreita. A despeito da aura filantrópica, elas "foram particularmente ativas na construção de laços internacionais", exercendo um papel relevante como agentes de uma "diplomacia privada". As chamadas "Big 3" (Ford, Rockefeller e Carnegie), especificamente, tiveram um papel proeminente na hegemonização norte-americana ao longo do século XX, ao possibilitarem a penetração cultural e intelectual dos Estados Unidos em diversas regiões do mundo. Entre as décadas de 1920 e 1950, elas romperam o isolamento norte-americano e ampliaram as possibilidades de alcance da política externa do país, assegurando a consagração de um "internacionalismo liberal". A partir da década de 1930, especificamente, e até os anos 1970, contribuíram para aproximar as elites norte-americanas das ultramarinas, ao tempo em que ensejaram a formação de outras organizações internacionais e asseguraram as articulações entre elas. Já no final dos anos 1980, com o fim da Guerra Fria, elas teriam relevo na reconfiguração da hegemonia dos Estados Unidos, afirmando a sociedade civil global e o terceiro setor como instâncias fundamentais para a consagração da democracia na era da globalização neoliberal.
A correspondência entre as fundações e as agências de Estado, por outro lado, nem sempre foi harmoniosa. Se é verdade que a criação do programa de traduções da USIA respondeu ao desejo de politização da atividade editorial do Departamento de Estado, também é verdade que o processo de formação do Franklin Book, dois anos antes, havia denotado um ceticismo do mercado editorial norte-americano em relação à capacidade do governo em produzir livros que atendessem a critérios mínimos de qualidade técnica. Dan Lacy acreditava que a indústria editorial, articulada à estrutura permanente do Franklin, profissionalizaria as edições. Com o passar dos anos, as críticas ao governo, fosse pelo volume de recursos destinados ao programa, fosse pela forma de intervenção das agências em suas atividades, tornaram-se mais constantes. Elas se manteriam mesmo depois de 1961, quando o governo norte-americano voltou a contribuir de forma mais acentuada para os projetos do Franklin, através de contratos do programa com a USAID. Embora a agência tenha patrocinado a entrada do programa na África subsaariana e na América Latina, junto com governos locais, o financiamento de fundações − notadamente, da Ford − continuou essencial. A fundação concedeu um milhão de dólares apenas para o custeio das primeiras atividades do Franklin na América Latina, por exemplo.
As eventuais contendas com as agências governamentais não devem, portanto, imprimir um caráter apolítico às atividades do Franklin. Esse foi precisamente o argumento para a imagem de instituição autônoma e desimplicada politicamente que o programa buscou construir. Escrevendo em retrospecto, Datus C. Smith, o mais duradouro diretor do programa (1952-1967), afirmou que, embora o Franklin tenha enfrentado alguma dificuldade inicial para ser compreendido dentro dos Estados Unidos como uma instituição não governamental beneficiária de recursos mistos, esse estatuto contribuiu para que o programa tivesse mais fácil aceitação no exterior. Suas operações teriam se dado, segundo ele, sem "obstruções burocráticas" e sem o "pesadelo da propaganda", o que se expressava na contratação e no treinamento de nativos para os escritórios locais e em sua liberdade na seleção dos manuscritos a serem traduzidos. A esse respeito, cabe afirmar, em primeiro lugar, que o Franklin compreendia e assumia a relação entre suas atividades e os "interesses nacionais". Muitas de suas instituições parceiras − a exemplo da Aramco, Xerox, Trans World Airlines, General Motors, Morgan Guaranty Trust Company, Pan American World Airways, IBM, Shell, PepsiCo International e Newsweek −, embora não fossem diretamente vinculadas ao mercado editorial, eram consideradas pelo programa como "ansiosas para servir ao interesse nacional e a seus próprios interesses econômicos de longo prazo através do apoio a projetos internacionais de educação". Além disso, sempre houve no exterior uma associação entre as atividades do Franklin e as das agências governamentais. Na América Latina, por exemplo, houve uma resistência inicial ao programa, que era comparado a programas de tradução já em atividade, tais como o da USIA, que nem sempre despertavam simpatia entre os editores locais. Em segundo lugar, embora o Franklin afirmasse que seus agentes permaneceriam nos escritórios ultramarinos em um prazo de até cinco anos, quando esses já estivessem autonomizados, na prática, a presença de norte-americanos foi uma constante em todo o seu período de atuação, incluindo representantes da USIA e da USAID.
A desvinculação entre o Franklin e a agenda política norte-americana durante a Guerra Fria sempre foi, por tudo isso, aparente. Seu foco inicial no Oriente Médio correspondeu à emergência da região como objeto de grande interesse internacional e de disputas entre as potências confirmadas no pós-Segunda Guerra. O Franklin instituiu no Oriente Médio – mas não apenas lá – a chamada guerra cultural, uma forma de combate ideológico amplamente utilizada pelos Estados Unidos durante a Guerra Fria, caracterizada pela distribuição de livros, filmes, programas de rádio e televisão, etc. afinados com a agenda do chamado "mundo livre". As potências ocidentais argumentavam, à época, que tais estratégias eram reativas em relação à propaganda subterrânea soviética, efetuada pelos canais do grupo de rádio e TV Moscow, das agências de notícia soviéticas TASS e NOVOSTI e da romena AGERPRESS, das embaixadas soviéticas e dos circuitos culturais "de arte", expressão que as agências norte-americanas utilizavam de forma comparativa em relação à produção de Hollywood e pejorativa. O Franklin posicionava-se a favor dos movimentos de descolonização e pela dissolução dos velhos impérios, mas temia que a movimentação política na região projetasse a pauta da autodeterminação nacional e abrisse portas à penetração do socialismo no mundo árabe. Ademais, embora o programa afirmasse não querer influenciar nas questões políticas do Oriente Médio, havia ciência quanto à existência de um "sentimento antiamericano" que cabia às instituições diplomáticas dirimir.
Em 1958, a UNESCO calculava que quatro dos dez autores mais traduzidos no mundo, segundo dados de 1956, eram soviéticos: Vladimir Lênin (1o^ lugar), Leon Tolstói (3o^ lugar), Maxim Gorki (4o^ lugar) e Anton Tchecov (8o. lugar), além de Karl Marx (9o^ lugar). Somavam-se a eles o francês Julio Verne (2o^ lugar), o norte-americano Mickey Spillane (5o^ lugar), a bíblia (6o^ lugar), o inglês William Shakespeare (7o, lugar) e o também norte-americano Jack London (10o^ lugar). Embora a UNESCO custodiasse o projeto cosmopolita do pós-guerra, tendo seus impressos traduzidos em todas as línguas aliadas, incluindo o russo, esteve quase sempre clara sua natureza ocidentalista. A informação contida no jornal, por conseguinte, sugeria alerta às democracias do Atlântico: a UNESCO sublinhava que a tarefa do tradutor era de importância elementar, pois ele era "o construtor de pontes no coração do universo". Não por acaso, a organização se envolveu diretamente, desde sua criação, em 1947, na promoção de atividades relacionadas ao livro e à leitura, tais como o programa "Educação Fundamental". Ela própria foi a responsável pelo estabelecimento de bibliotecas, notadamente em África e América Latina, abastecidas com os cânones que encarnavam o mito da "literatura universal". No início da década de 1960, entretanto, a relação entre letramento e desenvolvimento econômico tornou-se ainda mais central para a instituição, que passou, em 1962, a contar com o apoio do Banco Mundial para projetos destinados à educação básica. Impactada pela recente reforma educacional em Cuba, a organização temia que o analfabetismo e a pobreza representassem portas abertas para a escalada do comunismo.
O movimento da UNESCO acompanhou uma mudança de rota na política externa norte-americana após a Revolução Cubana, em 1958. A criação da USAID, em 1961, durante a presidência de John Kennedy, encarnou o esforço de ampliar a presença norte-americana nos países classificados como "subdesenvolvidos" ou "em desenvolvimento". Temendo a possível irradiação da experiência de Cuba, os Estados Unidos lideraram a criação da Aliança para o Progresso, um acordo interamericano que assegurava repasses vultosos da USAID para todos os países das Américas, com exceção da ilha insurgente. A agência forneceu recursos significativos para o Franklin, oriundos de fundos como o AID Rights Fund e de outras fontes do governo dos Estados Unidos, a exemplo do Central Book Fund e do Global Royalty Fund, que garantiram, junto com a Fundação Ford, a penetração do programa na América Latina e também na África subsaariana. Entre 5 de outubro de 1964 e 15 de fevereiro de 1965, o Franklin organizou em Nova Iorque dois seminários sobre a indústria editorial com duração de dez semanas cada, ao mesmo tempo em que apoiou outros dois realizados, concomitantemente, na cidade de Boston. O público de trinta participantes era composto por representantes do médio e alto escalão de editoras dos países assistidos pela AID, notadamente os africanos e os latino-americanos. Focalizando a relação entre educação e desenvolvimento, o Franklin priorizou nos dois continentes impressos de natureza distinta daqueles que publicava no Oriente Médio e no sudeste da Ásia: abandonou quase integralmente os livros literários e concentrou esforços na produção de material educacional. Na América Latina, livros infantis, livros para formação em nível médio, com habilitação técnica, e para o nível superior; na África, livros didáticos para a educação básica.
Em sintonia com a agenda da política externa kennedyana para o continente, o Franklin havia enviado às Américas Central e do Sul, ainda em 1961, uma delegação incumbida de identificar possíveis parceiros e redigir um plano de atividade na região. Composto por Francisco Aguilera, da Fundação Hispânica da Biblioteca do Congresso, Curtis Benjamin, da editora McGraw-Hill Book Company e Dan Lacy, da Biblioteca do Congresso e do Conselho de Editores do Livro Americano, o grupo visitou ao todo seis países: México, Colômbia, Peru, Chile, Argentina e Brasil. Apesar de terem identificado alguma resistência ao programa, por vezes apontado como agente do "imperialismo yankee", os emissários asseguraram em relatório que havia receptividade à proposta, indicando Argentina, Brasil e México como sedes regionais do programa, em virtude do maior potencial de crescimento de seus mercados editoriais.
Embora o Brasil demonstrasse ser o mais recomendado para o esforço inicial do Franklin, o programa relatou um clima de "instabilidade política" que justificava o adiamento das atividades no país, referindo-se, embora tacitamente, aos embates entre o presidente João Goulart e as forças oposicionistas que encontravam respaldo na diplomacia dos Estados Unidos. De um lado, a política externa independente de Jango e as reformas de base propostas em seu governo insinuavam aproximação com o bloco soviético; de outro, empresários e militares articulados em torno do Instituto de Estudos e Pesquisas Sociais (IPÊS), sob os auspícios de instituições norte-americanas como a própria USIA, empreendiam uma sistemática campanha anticomunista que culminaria no golpe civil-militar. Na Argentina, embora houvesse desconfiança da diplomacia norte-americana em relação às medidas protetivas tomadas pelo presidente Arturo Illia no tocante ao petróleo e à eletricidade, o governo não era visto, no princípio, como refratário à presença dos Estados Unidos e à agenda da Aliança para o Progresso. O crescimento da insatisfação contra Illia, sobretudo em certos setores militares, entretanto, se ampliaria nos anos posteriores, culminando no golpe de 1966, que seria apoiado pelos Estados Unidos.
A primeira filial do programa no Cone Sul, Fundación Interamericana de Bibliotecologia Franklin (FIBF) foi, por essa razão, estabelecida em Buenos Aires, em julho de 1964, com o patrocínio da USAID e da Fundação Ford. Foi da FIBF que saiu a maior parte dos cento e cinco títulos livros traduzidos pelo programa no continente e distribuídos entre os países hispanófonos. Apenas vinte e um títulos foram produzidos no México. Há apenas um registro de projeto editorial realizado em outro país caribenho, a coleção Conocimientos para Todos, composta por dois volumes, "Animales del Mundo" e "Cure sus Animales", publicada em 1970 pelo Instituto Centro Americano de Extensión de la Cultura (ICECU), da Costa Rica, após a realização de um importante evento do Franklin no país: o 1o. Seminario Centroamericano del Libro. O seminário garantiu a ampliação na presença do Franklin na América Central, embora registros sugiram que logo depois, em 1973, o programa cessou suas atividades em todo o continente.
As áreas contempladas pelas publicações do Franklin na Argentina foram – como também o seria no Brasil - a indústria editorial; a relação entre universidade e desenvolvimento; a demografia e a política de populações; e as ciências da vida. Em conjunto, elas sumarizavam aquilo que a diplomacia norte-americana – pública ou privada – considerava atravancar o desenvolvimento latino-americano: a carência de livros, especialmente no meio rural; o analfabetismo; a baixa qualificação profissional de jovens e adultos; o restrito acesso à universidade, a projeção das esquerdas no meio acadêmico e a desarticulação entre o conhecimento, a indústria e o mercado; o desequilíbrio populacional, acentuado pela fé católica e suas restrições à contracepção; a falta de saneamento básico, as doenças e os altos índices de mortalidade. Os livros foram investidos, nesse sentido, do papel de contribuir para o letramento; erradicar o analfabetismo e promover a modernização do campo, reforçando o lugar da América Latina como produtora de alimentos na divisão internacional do trabalho e afugentando o fantasma das guerrilhas rurais; elevar a qualidade dos profissionais nos níveis médio e superior; suprir as bibliotecas com literatura especializada no âmbito das reformas universitárias; fortalecer as profissões liberais e ampliar quantitativamente as classes médias; conter o avanço do comunismo nas universidades e fora delas; subordinar o conhecimento aos interesses da indústria e do mercado; garantir o controle populacional e a urbanização; formar médicos, odontólogos, enfermeiros, veterinários, biólogos, farmacêuticos, químicos e outros profissionais responsáveis, simultaneamente, por elevar o patamar da saúde pública na América Latina e assegurar a penetração de instrumentos, equipamentos, remédios, práticas profiláticas e, sobretudo, técnicas cirúrgicas consagradas pela chamada medicina ocidental.
Foi também comum ao FIBF a publicação de guias e manuais, que geralmente eram editorados pela própria fundação e não por parceiros. O Franklin os considerava fundamentais para a formação das "culturas editoriais nativas", uma vez que instituíam coletivos bibliográficos capazes de encarnar os círculos intelectuais validados pelo programa, especialmente os norte-americanos, direcionavam os leitores na escolha dos livros e contribuíam para a divulgação de seus próprios impressos. A fim de estimular a indústria editorial, foram publicados diversos livros, alguns deles em parceria com o Centro de Documentación Bibliotecológica da Universidad Nacional del Sur, de Bahía Blanca, na província de Buenos Aires: "Quien es quien en la Bibliotecologia Argentina", de Nicolas Matijevic, "Derarrollo de la industria editorial argentina", de Eustacia A. Garcia, e"List of Headings of Official Entities in Argentina", de Angel Fernández, selado pela Pan American Union, todos em 1965;"Guia de Bibliotecas Argentinas", de Carlos Alberto Giuffra, em parceria com a UNESCO, em 1967; o "Manual of Bookselling", pela American Book-Sellers Association, que teve como editora local a Bowker Argentina, em 1968. A Bowker também foi a responsável, naquele ano, pelo lançamento do "Guide of Book Publishing", escrito por Datus C. Smith Jr. e disseminado entre todos os países onde o Franklin atuava no mundo. A FIBF publicou um outro guia no mesmo ano, destinado ao público infantil e infanto juvenil: "Repertorio de Lecturas para Niños e Adolescents", organizado por Fryda Mantovani, editorado pela Editorial Troquel com financiamento da Fundação Tinker.
Por meio de parcerias com a fundação Kellogg e The Population Council, a FIBF viabilizou a tradução de livros na área de demografia e política de populações. Em 1966, foi editado pela Interamericana, com financiamento da Kellogg,"Municipal and rural sanitation", de Victor Ehlers e Ernest Steel. No ano seguinte, o próprio FIBF selou"The growth of world population and the growth of U. S. Population", publicado originalmente nos Estados Unidos pelo National Academy of Science and the National Research Council, e"Readings of demography", de Clyde Kiser. Também com patrocínio do The Population Council, a editora La Prensa Medica traduziu em 1969"Population Problems", de Warren Thompson e David Lewis, e o FIBF lançou o guia "Bibliografia de Demografia". Em 1972, foi publicado"The Catholic Case for Contraception", de Daniel Callahan, selado pela Editorial Troquel e também patrocinado pelo The Population Council.
A relação entre universidade e desenvolvimento também deu o tom às escolhas editoriais do Franklin para a América Latina. Nesse domínio, o FIBF encaminhou entre 1965 e 1966 a tradução de três livros originalmente lançados nos Estados Unidos pelo Council of Higher Education in the American Republics:"Arts and the University","National Development and the University"e"Agriculture and the University".
O maior número de publicações em língua espanhola do Franklin foi, contudo, no âmbito das ciências da vida. Por meio de financiamentos da Kellogg e do fundo Commonwealth, com destaque para o segundo, o programa viabilizou a tradução de oitenta e dois livros de medicina e disciplinas correlatas, que, em conjunto, constituíram o "Projeto Bibliotecas Pré-Clínicas"(Pre-Clinical Libraries), destinado a estudantes universitários e profissionais da área da saúde. Na Argentina, as principais editoras que compuseram o projeto foram Editorial Mundi, Libreria y Editorial La Medica, El Ateneo, Lopez Editores, Medica Panamericana, Paidos, Editorial Bernades e Alfa, além do próprio FIBF. No México, Interamericana, Unión Tipográfica Editorial Hispano Americana, Manual Moderno e Prensa Medica Mexicana. A Editorial Mundi especializou-se na publicação de livros de odontologia, ao passo que as demais editoras publicaram livros das mais variadas disciplinas: anatomia, fisiologia, histologia, endocrinologia, patologia, pneumologia, ginecologia e obstetrícia, pediatria, oftalmologia, neurofisiologia, gastroenterologia, cardiologia, bacteriologia, imunologia, microbiologia, cirurgia plástica, farmacologia, veterinária, cirurgia, exames e ensino de ciências, entre outras.
O "Projeto Bibliotecas Pré-Clínicas viria a ser replicado no Brasil, tornando-se o principal empreendimento do Franklin em todo o hemisfério. A ênfase na questão da medicina e da saúde pública inscreveu o programa em uma longa tradição das agências de Estado e fundações norte-americanas, que justificadamente consideravam a América Latina um lugar pobre e carente de serviços de saúde adequados, sobretudo no campo. Embora as agências internacionais de saúde europeias, notadamente de França e Alemanha, também tenham estado presentes na América Latina entre as décadas de 1920 e 1930, o protagonismo norte-americano no continente fez-se notório desde o início do século. Essa presença estava articulada à agenda modernizadora de diversos governos latino-americanos, entre eles o do brasileiro Getúlio Vargas, sob a gestão de Gustavo Capanema à frente do Ministério de Educação e Saúde. A Fundação Rockefeller, particularmente, esteve envolvida em pesquisas sobre virologia e doenças tropicais, tais como febre amarela, varíola e malária, atuando em diversas regiões do país, incluindo a Amazônia, nesse período e após. Entre suas mais notáveis atividades no Brasil, está o convênio com a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), incubadora para um projeto de excelência científica que deveria espalhar-se por todo o país, ao mesmo tempo em que conferiria à universidade prestígio internacional. A Rockefeller constituiu na América Latina e no Caribe redes intelectuais que incluíram o brasileiro Carlos Chagas, identificador da doença homônima, o especialista em medicina tropical colombiano Roberto Franco e o responsável pela erradicação da malária na Venezuela, Arnoldo Gabaldón. Essas redes demonstram a importância que a América Latina adquiriu na constituição de um sistema de saúde internacional, representando não apenas um receptáculo ou espaço de experimentação, mas um agente na "circulação de pessoas, ideias, produtos biológicos essenciais para a validação da medicina ocidental moderna". Por outro lado, em face das evidentes hierarquias intrínsecas ao campo científico, o sistema de saúde criado no hemisfério na primeira metade do século XX era "inquestionavelmente uma peça no quebra-cabeça da hegemonia dos Estados Unidos, não apenas na região, mas, mais amplamente, na cena global".
Tendo como referência a experiência argentina, o vice-presidente do Franklin Book e diretor de sua divisão para a América Latina, Wilbur Knerr, elaborou a proposta para o estabelecimento do programa no Brasil. Em setembro de 1964, deposto o presidente João Goulart e estabilizado o governo do general Humberto de Alencar Castelo Branco, o programa norte-americano organizou-se no país em torno de dois eixos: o Centro de Bibliotecnia (CB) do IPÊS, no estado da Guanabara (Rio de Janeiro), e o Centro de Bibliotecnia para o Desenvolvimento (CBD), na Fundação Roberto Simonsen, da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). O IPÊS possuía experiência de três anos na publicação e distribuição de livros, além de uma rede de instituições parceiras e de leitores espalhados pelo Brasil. Fundado em 1961 por empresários e militares, o instituto havia participado ativamente dos arranjos que conduziram à deposição do presidente João Goulart, patrocinando conteúdo anticomunista embalado sob a forma de documentários, panfletos, seminários e livros. A recém-criada Fundação Roberto Simonsen, entidade de representação da classe industrial paulista, também tinha projetos de incentivo ao livro e à leitura como uma de suas atividades centrais. Décio Guimarães de Abreu, o general Propício Machado Alves, diretor da Distribuidora Record de Serviços de Imprensa e diretor assistente da editora Ao Livro Técnico, respectivamente, além de Cândido Guinle de Paula Machado e Geraldo Jardim Pereira eram os principais responsáveis pelo Centro de Bibliotecnia do IPÊS, juntamente com o norte-americano Roger Ross. A presença de Ross na diretoria é um dado importante: embora o Franklin afirmasse que os staffs locais do programa eram constituídos exclusivamente por nativos e que a presença de emissários da sede era tópica e provisória, a experiência brasileira reforça que eles não apenas acompanhavam de perto as atividades, mas atuavam permanentemente nos escritórios ultramarinos.
O Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e a Câmara Brasileira do Livro (CBL) também foram instituições parceiras do Franklin no Brasil, a quem cabia, entre outras, a tarefa de captar recursos localmente para o programa. Há registros de publicações do Franklin em língua portuguesa entre 1966 e 1973, totalizando quarenta e dois títulos, selados pelas editoras Ao Livro Técnico, Artes Gráficas Gomes de Souza, Atheneu, Companhia Editora Nacional, Cultrix, Dominus, Editora da Universidade de São Paulo, Editora José Olympio, Edgard Blucher, Empresa Gráfica O Cruzeiro, Globo, Guanabara Koogan, Lidador, Melhoramentos, Mestre Jou, Pioneira e Record, além da Associação Brasileira de Técnicos Gráficos, das Escolas Profissionais Salesianas, do Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação e da Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático (COLTED) , instituída em 1966, no seio do Ministério da Educação e Cultura (MEC), como parte da Reforma Universitária promovida pelos militares.
O processo de criação da COLTED, como toda a reforma, gerou controvérsias. O primeiro decreto que a instituiu, número 58.653, datado de 16 de junho de 1966, foi revogado logo em seguida, aos 04 de outubro do mesmo ano, cedendo lugar ao decreto número 59.355. Além da mudança do nome de "conselho" para "comissão", a mais substantiva alteração no texto dos decretos dizia respeito à receita da instituição. No primeiro, os recursos oriundos da USAID, via Aliança para o Progresso, estavam claramente identificados. No segundo, em resposta às persistentes críticas à atuação norte-americana no Brasil, encarnada no conhecido Acordo MEC-USAID, o nome da AID foi suprimido, dando lugar somente à expressão "agências estrangeiras ou internacionais". O decreto também estabeleceu um lugar central para os editores representados pelo SNEL, haja vista a presença de um membro do sindicato no colegiado do órgão. Através desse convênio entre MEC, USAID e SNEL, o governo brasileiro assegurou a edição e a distribuição livros didáticos, além do estabelecimento de bibliotecas voltadas para crianças e adultos.
O único livro de autoria da própria COLTED publicado no âmbito das atividades do Franklin foi "Edições Brasileiras – Bibliografia Brasileira de Livros Infantis", lançado em 1968 com o selo do SNEL. O guia fazia parte de um conjunto de atividades do Franklin em língua portuguesa destinado ao público infantil e infanto juvenil, entre elas a montagem de bibliotecas. Entre as publicações, estiveram incluídos o "Guia dos pais na escolha de livros para crianças", de Nancy Larrick, publicado pelo CBD do Instituto Roberto Simonsen, em 1969, e livros introdutórios às ciências ricamente ilustrados. Em sua primeira sondagem na América Latina, o Franklin havia identificado o apoio à publicação de livros infantis como uma demanda dos editores latino-americanos, que se sentiam desencorajados a produzir esse tipo de publicação em virtude das muitas matrizes de cores exigidas nos projetos – e dos altos custos que elas representavam. Para atender a essa demanda, o Franklin garantiu, com recursos do programa Commonwealth I, a publicação de duas enciclopédias pela Ao Livro Técnico, editora do general Propício Machado Alves: "As maravilhas da vida", do original "Golden Book of Biology", de Gerald Ames e Rose Wyler, e "As maravilhas do corpo humano", "Human Body", de Mitchell Wilson. A José Olympio, por sua vez, selou a coleção Biblioteca Científica Life, financiada pela fundação Kellogg, composta por quatro volumes e publicada em 1967: "A célula", "A energia", "A matéria", "O homem e o espaço".
A Associação Brasileira de Técnicos Gráficos, junto com o Centro de Bibliotecnia da Fundação Roberto Simonsen e o Centro de Bibliotecnia do IPÊS, publicou "Offset - Processos de Produção de Chapas", de Robert Reed, e "Offset – Princípios Básicos de Impressão", de Charles Latham, entre 1968 e 1969, ambos com subsídio da Graphic Arts Technical Foundation. Ainda sobre a indústria editorial, o Franklin publicou, em 1968, "Curso de Bibliografia Geral", de Laura Maia Figueiredo e Lelia Galvão, selado pela Record e patrocinado pela Kellogg, e "O Livro e a Indústria do Conhecimento", de Décio de Abreu, uma edição do IPÊS com selo da editora O Cruzeiro.
Dividido em três partes, o livro continha uma Síntese do Seminário sobre Informação Científica, Técnica e Ciências Sociais, promovido pelo IBBD entre novembro e dezembro de 1967 e que havia se baseado em artigo da revista norte-americana Fortune; a conferência proferida por Abreu no I Seminario Centroamericano del Libro, em San José, Costa Rica, no mesmo ano; uma análise, intitulada "O livro de agricultura", sobre a importância do livro para o desenvolvimento agrícola na América Latina. Na conferência, encomendada por Wilbur Knerr e reproduzida no volume, a indústria editorial foi apontada como um índice de desenvolvimento das sociedades mais avançadas, onde as necessidades mais elementares do homem estavam superadas e era possível contemplar as atividades mais nobres do espírito humano. Essa era a referência e o horizonte para os países "em desenvolvimento". Embora as tarefas desempenhadas no Brasil fizessem parte de um projeto único e indistinto para a América Latina, inicialmente testado em terras argentinas e mexicanas, Abreu chegou à Costa Rica com estatura de autoridade, emprestando o padrão brasileiro para as ilhas caraíbas. Ele considerou, em sua fala, as especificidades da América Central, mas argumentou que havia semelhanças entre a América portuguesa e a espanhola, tais como a "homogeneidade linguística e cultural", que justificavam o caráter modelar de sua explanação. Essa suposta homogeneidade favorecia a superação dos "problemas do livro", notadamente a distribuição, diferentemente da África e da Ásia, onde a diversidade étnica, religiosa e linguística atravancava a desejada uniformidade. Na América Latina, toda ela supostamente ibérica - hispanófona ou lusófona -, havia também o elemento facilitador da "unidade religiosa", haja vista a "grande predominância do catolicismo". No Brasil de Abreu, exortado como referência para o Caribe, não existiam os vernáculos indígenas, tampouco as línguas e credos trazidos pela (e forjados na) diáspora africana.
A parceria do IPÊS com o Franklin, afigurada na proximidade entre Décio de Abreu e Wilbur Knerr, a quem os latino-americanos chamavam apenas pelo apelido, "Buzz", fez parte de uma mudança de rota na trajetória do instituto. Inicialmente direcionado para a publicação de conteúdo anticomunista, o IPÊS buscou então afirmar sua identidade como uma instituição voltada para a disseminação de conhecimento técnico e científico. Glycon de Paiva, um dos principais diretores do IPÊS, chegou a cogitar, após o golpe civil militar de 1964, sua transformação em um instituto de pós-graduação. Foi comum às ditaduras da América Latina encontrar lastro no discurso técnico, de modo que os think tanks ganharam projeção, emprestando aura liberal aos governos autoritários. O IPÊS assumiu esse papel a partir de 1965. Junto com o Franklin e com o Instituto Roberto Simonsen, ele realizou, em 1966, o Seminário de Editores, um importante evento dedicado a identificar os problemas da indústria e do mercado editorial brasileiros, apontar saídas e oferecer treinamento aos participantes - a maior parte deles editores ou bibliotecários -, através de palestras e oficinas.
Outro produto financiado pelo programa foi a Revista de Atualidades Médicas, editada por Philip Querido (holandês naturalizado nos Estados Unidos e radicado em São Paulo) e publicada entre 1965 e 1968, que chegou a ter uma tiragem de vinte mil exemplares. Ainda na área médica, o programa organizou, em parceria com a Diretoria de Ensino Superior do Ministério da Educação e Cultura (DESu/MEC), o projeto Bibliotecas Pré-Clínicas (Pre-clinical Libraries), inspirado pela experiência portenha, articulado ao FIBF e financiado pelos fundos Commonwealth e Kellogg. Através dele, as bibliotecas de pelo menos trinta e cinco universidades brasileiras foram abastecidas com bibliografia norte-americana no cenário da Reforma Universitária de 1968. Coube ao Centro de Bibliotecnia do IPÊS estabelecer parcerias com as editoras brasileiras que se encarregariam da produção das versões, além de escolher as instituições destinatárias dos livros e assegurar a distribuição. Ao MEC competiu assegurar a compra garantida dos livros com recursos do governo brasileiro. As principais editoras do projeto Bibliotecas Pré-Clínicas no Brasil foram Atheneu, Companhia Editora Nacional, Editora da Universidade de São Paulo, Guanabara Koogan, Melhoramentos e Mestre Jou.
Instituições de ensino superior brasileiras receptoras dos livros do Programa Bibliotecas Pré-Clínicas
Instituição | Estado |
---|---|
Universidade Federal de Santa Maria | RS |
Universidade Federal do Rio Grande do Sul | RS |
Universidade Católica de Pelotas | RS |
Faculdade Católica de Medicina de Porto Alegre | RS |
Faculdade de Medicina de Pelotas | RS |
Universidade Federal de Santa Catarina | SC |
Universidade Federal do Paraná | PR |
Universidade Católica do Paraná | PR |
Escola Paulista de Medicina | SP |
Faculdade de Ciências Médicas do Hospital da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo | SP |
Faculdade de Medicina de Taubaté | SP |
Faculdade de Medicina de Marília | SP |
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto | SP |
Faculdade de Medicina de Sorocaba | SP |
Universidade de São Paulo | SP |
Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro | RJ |
Escola Médica do Rio de Janeiro | RJ |
Universidade Federal do Rio de Janeiro | RJ |
Universidade do Estado da Guanabara | RJ |
Universidade Federal do Espírito Santo | ES |
Faculdade de Ciências Médicas de Belo Horizonte | MG |
Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro | MG |
Universidade Federal de Juiz de Fora | MG |
Universidade Federal de Minas Gerais | MG |
Universidade Federal de Goiás | GO |
Faculdade de Medicina de Sergipe | SE |
Faculdade de Ciências Médicas de Pernambuco | PE |
Universidade Federal de Pernambuco | PE |
Universidade Federal do Rio Grande do Norte | RN |
Universidade Federal de Alagoas | AL |
Universidade Católica de Salvador | BA |
Universidade Federal da Bahia | BA |
Universidade Federal do Ceará | CE |
Universidade do Maranhão | MA |
Universidade Federal do Pará | PA |
Universidade do Amazonas | AM |
Elaborado por Laura de Oliveira com base em documentos do fundo Franklin Book Programs, da Mudd Manuscript Library, Universidade de Princeton.
A descoberta da América pelo Franklin, no início dos anos 1960, deu-se no mesmo momento em que o programa enviou esforços à África Ocidental. A importância adquirida pelos dois continentes fez-se notar nas eleições para diretoria do Franklin, em 1965. Cândido Guinle de Paula Machado, editor e empresário, membro da diretoria do IPÊS e do Centro de Bibliotecnia, foi eleito editor honorário do programa junto com Chief S. O. Adebo, representante da Nigéria nas Nações Unidas. Sob contratos com a USAID e a Fundação Ford, América e África ganhavam centralidade para o programa. Em 1959, Datus Smith havia visitado países da África ocidental e oriental em uma abordagem aparentemente despretensiosa, mas que via na descolonização e no nacionalismo uma oportunidade para a entrada do Franklin. No mesmo ano da primeira missão do Franklin na América Latina, 1961, William E. Spaulding, presidente da editora Houghton Mifflin, ex-presidente do Instituto de Editores Americanos de Livros (American Textbook Publishers Institute) e ex-membro da diretoria do Franklin, juntamente com o presidente, Datus C. Smith Jr., realizou pesquisa para o estabelecimento do programa em Gana e na Nigéria. Em relatório, afirmaram que nos dois países, ambos colônias britânicas recém-emancipadas, a afirmação do inglês como idioma nacional esbarrava na persistência de diversas línguas vernáculas africanas. Elas eram matriz da comunicação familiar e primeiro referencial linguístico das crianças, que chegavam às escolas quase sempre ignorantes em relação à língua inglesa. Uma vez que o Franklin considerava o idioma "a chave para o progresso em todos os setores em Gana e na Nigéria", propuseram oferecer suporte a tutores e professores a fim de que, ao cabo dos dois ou três primeiros anos de educação básica, a língua falada nas escolas fosse o inglês. Em face da "africanização", contudo, os emissários alertavam que havia resistência ao abandono do iorubá, do igbo, do haussá e de outras línguas, o que tornava recomendável ao programa adotar um caráter híbrido, subsidiando a publicação de textos em vernáculos locais e em inglês, a fim de garantir o letramento gradativo das populações e favorecer, a longo prazo, a anglofonia.
Na Nigéria, especificamente, o Franklin veio a se estabelecer entre 1964 e 1968, com financiamento da USAID, da fundação Ford e do governo local. Embora a Guerra Civil iniciada em 1967 tenha afetado suas atividades no país, o programa obteve êxito, aproveitando-se da indústria editorial pré-existente que, majoritariamente inglesa, constituía-se em um poderoso rescaldo colonial. Esse aproveitamento contrariava uma aspiração local, identificada na sondagem feita pelo Franklin em Gana e Nigéria: a africanização de uma indústria editorial até então dominada pelos ingleses. Embora o Franklin tivesse assegurado a gradativa autonomização das "culturas editoriais nativas", a crença do programa no protagonismo e na superioridade cultural dos Estados Unidos era uma premissa de suas atividades. Elas enfatizaram a preparação de profissionais para a educação básica e a formação de bibliotecas escolares, abastecidas tanto com livros didáticos escritos por autores norte-americanos quando com livros de música em iorubá. Eles foram selados por editoras que disputavam o mercado do livro nigeriano, como a Oxford, a Nelson, a Longman's, a London University Press, a Heineman, a MacMillan, a Falafin, a African Education Press, a African Universities Press, a Onibojone Press, a Nigercity Publishers e a John West Publications. Entre os principais eventos promovidos pelo Franklin no país, destacaram-se o Seminário Norte-Americano para Treinamento em Editoria e Áreas Afins (US Training Seminars on Publishing and Related Fields) e as Oficinas Educacionais para Escritores (Educational Writers Workshop), realizadas na Universidade de Ibadan e na Universidade da Nigéria, que tinham como objetivo identificar, encorajar e instrumentalizar novos talentos da literatura.
Em 1966, o programa ampliou suas atividades para a África Oriental, optando novamente por ex-colônias britânicas: o Quênia e a Tanzânia. Compuseram o grupo que elaborou o projeto para os dois países Shirley Smith Anderson, ex-membro do Instituto Africano-Americano (African-American Institute) do Franklin, que havia morado na região; Eunice Blake Bohanon, consultora sobre livros infantis, ex-editora da J. B. Lippincott Company e presidente do Conselho do Livro Infantil (Children's Book Council); Emerson Brown, vice-presidente da editora McGraw-Hill Book Company e ex-presidente do Instituto Americano de Editores de Livros Didáticos (American Textbooks Publishers Institute); Alden H. Clark, vice-presidente do Franklin para a África; George Lenox, diretor associado da East-West Center Press, da Universidade do Havaí; Hilary Ng'weno, diretora do Franklin em Nairobi e ex-editora do The Daily Nation, também na capital do Quênia; e John Rensenbrink, professor associado do Bowdoin College, em Maine, Estados Unidos. Foram três os principais tipos de produção encorajados pelo Franklin nos dois países: 1) livros importados dos Estados Unidos e de países da África; 2) traduções e adaptações de livros norte-americanos e de outros lugares; 3) livros escritos por autores locais, fosse em suaíli, principal vernáculo local, fosse em inglês. Também foi enfatizado o propósito de estimular as bibliotecas de escolas primárias e secundárias, além garantir a distribuição de bibliografia norte-americana através de redes já existentes, como o Tanganyika Library Service. Assim como na África Ocidental, o ensino de inglês foi incorporado como uma tarefa importante, não apenas na educação básica, mas como segundo idioma para adultos. No caso da Tanzânia, o programa atendeu a essa demanda através de um convênio com Instituto de Educação para Adultos e Desenvolvimento da Comunidade (Institute of Adult Education and Community Development).
Após a independência do Quênia, proclamada três anos antes, em 1963, os emissários do Franklin interpretavam que havia quatro sistemas de educação diferentes coexistindo no país: europeu, asiático, africano e árabe. O europeu seria voltado para a formação de funcionários públicos; o asiático, para artistas e comerciantes; o africano, para trabalhadores; o árabe existiria principalmente para fins religiosos. O sistema era visto pelo Franklin como desigual e discriminatório, responsável por aprofundar as assimetrias sociais. A unidade educacional queniana e o consequente desenvolvimento de um sentido de nacionalidade tornaram-se, assim, os principais objetivos do programa. As tradições quenianas deveriam ser respeitadas, mas as escolas precisariam ser laicas, extirpar distinções raciais, tribais ou religiosas, encorajar o respeito à personalidade individual das crianças, promover a adaptabilidade à mudança e ensinar a elas "métodos modernos de organização produtiva". As atividades do Franklin no país fizeram parte da reforma educacional promovida pelo presidente Jomo Kenyatta, ex-guerriheiro do grupo anticolonialista Mau Mau que, uma vez na presidência do país, conciliou uma estética exótica, apelativa à identidade nacional queniana e à africanidade, e políticas de caráter ocidentalista que incluíram o controle da informação por agências de notícias ironicamente britânicas, como a Reuters.
Os livros cumpririam, certamente, um papel central nesse processo. O Franklin propôs a criação e a ampliação de bibliotecas escolares sob os auspícios do Serviço Nacional de Bibliotecas do Quênia (Kenya National Library Services), vinculado ao Ministério de Educação. Quanto aos livros didáticos para a educação básica, foram divididos em três eixos: inglês, suaíli e matemática, selados, respectivamente, pela Oxford, pela Sheldon Press e pela Longman's. Outros contratos foram feitos com editoras já atuantes no país, como a Africa Literature Bureau, a Macmillan, a Nelson e a Evans Brothers. Segundo os emissários do programa, a indústria editorial local ainda era e seria por algum tempo dependente das editoras inglesas, como a Oxford, a Longsman's, a Macmillan, a Nelson, a Evans Brothers e a George Phillips. Ainda assim, o programa apostava no treinamento de quenianos com potencial para assumir gradativamente o mercado editorial. Alguns nomes de contatos locais foram Noah Sempira, diretor do Escritório de Literatura Africana Oriental (East African Literature Bureau) e Jonathan Kariara, ex-diretor do Escritório de Produção Editorial (Book Production Officer) da mesma instituição, que, àquele momento, havia há pouco sido contratado pela editora Oxford.
A experiência do Franklin na África é indicativa das condições do programa em sua última década de atuação. Após a aposentadoria de Datus Smith, em 1967, o programa enfrentou a redução dos repasses federais e passou a dedicar-se quase exclusivamente à produção de material didático até o seu encerramento, em 1978. Smith foi sucedido por três presidentes: Michael Harris, ex-membro da Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (Organisation for Economic Cooperation and Development), Carroll Bowen, da MIT Press (que havia participado de projetos com a USIA) e John Kyle, da East-West Center Press, Universidade do Havaí. Se a era Smith representou o apogeu do programa, as três gestões posteriores foram marcadas pelas dificuldades financeiras e operacionais e pelo gradativo encolhimento do Franklin. Em 1966, o programa foi beneficiário do espólio da antiga CBW, no valor de 17.000 dólares, sob a justificativa de que as duas instituições tinham natureza e atividades afins. A herança reforçou a ideia de que o Franklin operava em sintonia com as agências governamentais norte-americanas, no momento em que uma série de denúncias contra as práticas da USIA e da CIA de financiamento à atividade editorial tomou conta da mídia impressa nos Estados Unidos. Ainda em 1964, o deputado republicano Glenard Lispcomb, da Califórnia, oposicionista do presidente Lyndhon Johnson, havia apresentado uma acusação ao parlamento norte-americano contra as duas agências, afirmando que elas praticavam propaganda subterrânea dentro e fora do país. Apesar do parecer favorável às agências emitido pelo Controlador Geral dos Estados Unidos, Joseph Campbell, que analisou o caso, a queixa de Lipscomb reverberou na imprensa, através de matérias publicadas em diversos jornais americanos, e a USIA foi instada a prestar esclarecimentos aos congressistas e ao povo. Dois anos mais tarde, pelo menos quatorze jornais retomaram o tema, entre eles dois dos maiores periódicos dos Estados Unidos: The Washington Post e The New York Times. O escândalo respingou no Franklin Book, beneficiário de recursos da Asia Foundation, parceira recôndita da CIA, além da própria USIA. Confrontado, Datus Smith alegou que, se o programa recebia recursos da CIA, não era diretamente, nem conscientemente, havendo portanto desconhecimento em relação à origem do dinheiro.
Apesar da celeuma, a USIA continuou suas atividades e manteve o financiando a projetos do Franklin, aumentando a pressão para que eles partissem de listas"definitivas", aprioristicamente elaboradas pela agência. Em 1965, Datus Smith já lamentava a obsessão norte-americana pelo comunismo – e pelo combate a ele –, bem como o modo como isso havia impactado as atividades do Franklin. No início dos anos 1970, entretanto, Nixon reduziu a verba destinada às agências para a produção de livros e a formação de bibliotecas, o que representava não apenas uma resposta à crise interna, mas o ceticismo do governo em relação à sua eficácia na propaganda norte-americana. A partir de então, o Franklin passaria a receber parcos recursos da USIA e da USAID. Desde 1967, o programa já operava sem uma importante fonte: a Fundação Ford, o que tornava o fim do financiamento público uma questão ainda mais grave. Em 1972, o diretor Kyle decidiu procurar dinheiro de outras fontes, vindo a instituir, no ano seguinte, o programa "Amigos do Franklin" ("Friends of Franklin"), em que os apoiadores, cidadãos comuns entusiasmados pela causa, deveriam contribuir com 1000 dólares para o programa. Em 1975, a diretora Bowen afirmaria que "não havia dinheiro na virtude", demonstrando como a decadência do Franklin tinha a ver com a ênfase das agências governamentais na propaganda – e com o seu declínio.
Além da crise das publicações, que colocou sub suspeita as agências de Estado norte-americanas e as fundações, assim como as editoras privadas, acusadas de associação com as práticas escusas do governo, outros fatores concorreram para o arrefecimento das atividades do Franklin. A extensão da Guerra do Vietnã havia desgastado a imagem internacional dos Estados Unidos, levando a um ceticismo em relação à capacidade do país de capitanear o mundo rumo a um projeto de emancipação. O escândalo Watergate, que culminou na renúncia do presidente Nixon, encarnou a fragilidade da democracia americana no tocante ao sigilo, à privacidade e à segurança da informação e serviu para agravar a crise internacional de autoridade dos Estados Unidos. A isso acrescenta-se a associação do Franklin com regimes autoritários acusados de desrespeito aos direitos humanos, tais como as autocracias do Oriente Médio e as ditaduras militares da América Latina. No ambiente interno da política e do pensamento político terceiro mundista, a crise da teoria da modernização e a ascensão de outras, tais como a teoria da dependência, colocou em cheque a fé otimista no progresso e a eficácia da ajuda internacional com fins de "desenvolvimento", submetendo programas como o Franklin a um estado de absoluta desconfiança.
O primeiro escritório do Franklin a ser fechado foi o de Lahore, em 1972. Os programas em árabe continuaram funcionando no do Cairo, alguns deles subsidiados pela USIA, mas acabaram sendo encerrados em 1974. Em 1975, a sede, em Nova Iorque, foi desativada, os funcionários demitidos e as atividades transferidas para um espaço dentro da editora McGraw-Hill. Em 1976, iniciaram alguns projetos novos, como livros didáticos para as Filipinas, financiados pelo Banco Mundial, mas os programas eram parcos e se arrastaram até 1978, quando diretores do programa se reuniram e decidiram encerrá-lo. Os livros foram doados para a Biblioteca do Congresso, onde existe um fundo na Divisão de Livros Raros e Coleções Especiais no qual as publicações do Franklin estão agrupadas por idioma. Apesar do final melancólico, ao longo de seus vinte e sete anos de atuação, o programa constituiu importantes redes humanas e intelectuais transatlânticas, das quais Smith recordaria com nostalgia em suas memórias.
A relativa autonomia jurídica, financeira e logística do Franklin em relação ao governo norte-americano, certamente, o singularizava e distinguia em relação a outros programas, sobretudo à USIA, assim como a natureza dos seus impressos, que inicialmente voltavam-se para as áreas de artes, literatura e humanidades e, ao longo do tempo, direcionaram-se para as ciências naturais aplicadas e para os livros didáticos. Essas características, no entanto, não o isentaram de um lugar na diplomacia cultural dos Estados Unidos. Ao contrário, o programa atuou em paralelo com as instituições governamentais e foi precisamente a sua aura de independência – parcialmente correspondente à realidade –, bem como sua recusa aos temas flagrantemente políticos, que garantiram a ele a legitimidade necessária para o sucesso dos seus projetos. Apresentando-se como instituição democrática, desejosa de fomentar nos países em que atuava um mercado editorial autônomo e encorajadora da intelligentsia nativa, o Franklin efetivou-se como uma poderosa arma de propaganda.
A dimensão propagandística de suas atividades não deve sugerir falta de crença na emancipação pelo conhecimento. Com efeito, o Franklin considerava as redes de leitura importantes para o fortalecimento da sociedade civil e para a sedimentação da democracia. Aparentava-se, nesse sentido, com as redes cosmopolitas de comunicação que presidiram a emergência e a constituição de sociedades liberais. A consagração das línguas vernáculas e a circulação de impressos foram capazes de despertar o sentido de comunidade, o pertencimento e a empatia entre pessoas que viviam em regiões relativamente distantes umas das outras, tornando possível a imaginação de algo tal qual as nações no início da modernidade ocidental. Do mesmo modo, as redes de circulação de livros foram mecanismos importantes para a constituição dos impérios oitocentistas, que, ao mesmo tempo, aproximaram os colonizados da matriz civilizacional e ensejaram entre os europeus a ideação sobre seus domínios no além mar. Na Índia Britânica, por exemplo, os funcionários do Serviço Civil Indiano (Indian Civil Service) constituíram um corpo híbrido entre ingleses e nativos, todos eles ilustrados, a quem cabia a tarefa das traduções de livros e também a censura a autores e editores que, lastreada por processos intermináveis, redobrados em sua roupagem jurídica, asseguravam a feição liberal do governo. Os livros traduzidos e distribuídos pelo Franklin encarnavam, assim, uma missão civilizatória tipicamente contemporânea e afinada com a agenda da Guerra Fria: relacionar educação e letramento à pretensa universalidade da plataforma liberal democrata norte-americana.
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CUETO, Marcos; PALMER, Steven. Medicine and Public Health in Latin America: A History. New York: Cambridge University Press, 2015.
CUETO; PALMER, Op. cit..
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Esses números não são definitivos. Há livros que aparecem na listagem de publicações em língua portuguesa da Biblioteca do Congresso (Library of Congress) e não aparecem nas listas do IPÊS disponíveis no Arquivo Nacional (RJ) ou na documentação referente às atividades do programa no Brasil disponível em Princeton – e vice-versa. Essa discrepância sugere que as anotações dos projetos patrocinados pelo Franklin não eram precisas e que, possivelmente, foi maior o número de traduções.
FRANKLIN BOOK PROGRAMS. Books published in portuguese. In: Franklin Book Programs Collection. Nova York, s/d.
BRASIL. Decreto nº 59.355, de 04 de outubro de 1966b. Institui no Ministério da Educação e Cultura a Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático (COLTED) e revoga o Decreto número 58.653-66.
FRANKLIN BOOK PROGRAMS. Relatório. Livros na América Latina. Nova York, 31 jan. 1962. Original arquivado na Biblioteca de Manuscritos Mudd, Princeton, Nova Jersey, Estados Unidos.
ABREU, Décio de Abreu. O livro e a indústria do conhecimento. Rio de Janeiro: Centro de Bibliotecnia, 1968.
GILROY, HARRY. Five new directors elected for Franklin Book Programs. IN: ProQuest Historical Newspapers: The New York Times, 1966, p. 56.
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A Book Development Program Project in Nigeria (1964-1968). Final report. In: Franklin Book Programs Collection., Nova York, 25 mar. 1969.
A Book Development Program for Tanzania. Report and Recommendations. In: Franklin Book Programs Collection. Nova York, 15 mai. 1966.
A Book Development Program for Kenya. Report and Recommendations. In: Franklin Book Programs Collection. Nova York, 15 mai. 1966.
LAUGESEN, Op. cit..
OLIVEIRA, Op. cit.
LAUGESEN, Op. cit.
LAUGESEN, Op. cit.
LAUGESEN, Op. cit.
TRAVIS, Trysh. Me and my bookmen. American Literary History. Oxford University Press, março de 2013, Volume 25, Number 1, pp. 103-114.
ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
DARNTON, Robert. Censores em Ação. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.