Viagens científicas da Marinha dos Estados Unidos (U. S. Navy) no século XIX
Os intercâmbios científicos tornaram-se centrais no século XIX e indispensáveis para os processos de...
Robert FitzRoy (Ampton, 1805 - Norwood, 1865) foi um comandante da Marinha Real Britânica (Royal Navy), parte da geração de homens que, com navios, mapeou o globo, vigiou os mares e fez da Grã-Bretanha a potência hegemônica do século XIX. Sua atuação principal foi no Atlântico Sul, mas ele também teve destacado papel na política e nos debates sobre o futuro do Império.
Nascido em família da elite política britânica, tinha entre seus tios um duque (Grafton) e um marquês (Londonderry). Este último foi um dos mais destacados políticos dos anos 1810 e 20, o lorde Castlereagh, secretário de Estado de Guerras e Colônias e representante do Reino Unido no Congresso de Viena.
FitzRoy foi admitido na Real Academia Naval, em Portsmouth, em 1818, e se formou capitão-tenente em 1824. Logo foi comissionado para missões no Mediterrâneo e, em 1827, transferido para a esquadra do Atlântico Sul. No ano seguinte, tornou-se capitão do His Majesty's Ship Beagle. Comandou este navio expedicionário até 1830, e em sua viagem seguinte, entre 1831 e 1836.
Como agente do Império Britânico, participou de um imenso empreendimento para o conhecimento, produzindo mapas e cartas náuticas. O envio das duas expedições do HMS Beagle e de dezenas de outras para o Atlântico Sul naqueles anos demonstra alteração no lugar ocupado pela região nas primeiras décadas do século XIX. Antes ela era fechada para estrangeiros pelas Coroas Ibéricas mas, após as independências, os novos Estados se abriram para os estrangeiros, com especial destaque para os britânicos e seus investimentos.
Durante a primeira viagem do HMS Beagle, FitzRoy capturou e levou à Inglaterra quatro nativos da Terra do Fogo para que fossem catequizados, "civilizados", por pastores anglicanos. Esta ação, uma reinterpretação das antigas estratégias evangelizadoras católicas, dialogava com a força conquistada pelo movimento pela abolição da escravidão e pela ascensão do novo discurso religioso e moral a ele associado, o "humanitarianism".
FitzRoy mobilizou a Corte e o Almirantado por uma nova expedição do HMS Beagle para levar de volta à Terra do Fogo um dos nativos "civilizado", batizado de Jemmy Button, acompanhado por um missionário anglicano. Esta acabou sendo a histórica viagem na qual estava embarcado o naturalista Charles Darwin.
Pouco após seu desembarque, o indígena abandonou o missionário. O fracasso desta missão é interessante para se compreender os esforços em torno de um novo tipo de conversão de povos ameríndios, os ruídos nas relações entre europeus e indígenas e as estratégias de resistência adotadas. Aquela foi uma recusa clara e direta a um tipo de relação que pressupunha a superioridade moral, religiosa, civilizacional e de saberes e o reforço de hierarquias políticas, econômicas e sociais que apenas substituíam espanhóis por britânicos, pouco diferentes para os indígenas.
No entanto, o papel de Robert FitzRoy no estabelecimento de pontes e conexões entre a Grã-Bretanha e a América Latina não se limitou a esta fracassada tentativa. Tampouco ele deve ser visto apenas como o capitão que levou Charles Darwin. O naturalista era mais um - e certamente naquele momento não o mais importante - homem embarcado naquele navio.
FitzRoy esteve sempre vinculado à política e dedicou mais de dois anos à escrita de Narrative of the Surveying Voyages of H.M.S. Adventure and Beagle, publicado em 1839. O livro apresenta os relatos das duas viagens do Beagle, incluindo os escritos dos comandantes anteriores (Phillip Parker King e Pringle Stokes).
Sua obra teve ampla circulação à época e está marcada pelo lugar de enunciação daquele homem, seus filtros europeus ocidentais, britânicos, anglicanos e da nobreza. Seguindo o padrão dos relatos de viagem daquele tempo, descreveu a natureza e as sociedades visitadas, oferecendo interpretações e construindo narrativas. Ele estabeleceu comparações entre o que descreveu como a incapacidade da colonização católica ibérica, com as possibilidades e deveres de uma nova colonização britânica e anglicana na inexplorada Oceania.
Ao descrever o Brasil, suas críticas se centraram sobre a escravidão, levando à sua narrativa os discursos do grupo político e religioso ao qual se vinculava. Seus escritos fazem parte de uma nova geração de relatos, não mais apenas centrados na exuberância da natureza e nas possibilidades econômicas, mas também na incapacidade das elites locais em gerir seus recursos naturais, por serem moralmente inferiores.
No caso da Argentina, suas críticas se voltavam à instabilidade política, às disputas entre as elites locais e à exploração dos indígenas. No esforço para reforçar o novo lugar da Grã-Bretanha no mundo pós-napoleônico, resgatou uma série de estereótipos sobre a Espanha para narrar suas antigas colônias, descrevendo-as como marcadas por atraso, religiosidade, ignorância e misticismo.
Ele foi um típico homem do Império. Narrou para seus conterrâneos e contemporâneos, utilizando-se do relato de suas viagens com fins políticos domésticos e internacionais. Construiu uma narrativa da América do Sul em que apresentou pouco interesse e disposição para aprender com os povos visitados, mas muito esforço para reforçar e legitimar o novo lugar da Grã-Bretanha no mundo e defender a expansão do Império.
Ao executar aquelas que foram consideradas, durante praticamente um século, as mais precisas cartas náuticas do extremo sul do continente, ele ignorou os conhecimentos e nomes indígenas dos lugares e os batizou com referências britânicas e de sua própria família. O canal Beagle, o monte Darwin, as ilhas Londonderry, o cabo Castlereagh até hoje reforçam a memória de sua passagem, assim como o pico FitzRoy, assim batizado pelo argentino Francisco "Perito" Moreno, em 1877, em homenagem e reconhecimento pelos mapeamentos realizados na região por ele.
O próprio Charles Darwin nomeou uma espécie de conífera de Fitzroya patagonica e uma de cetáceo de Delphinus fitzroyi. No entanto, a publicação de On the origin of species, em 1859, demarcou uma ruptura entre ambos, já que o comandante naval era extremamente religioso. O fardo por ter convidado o naturalista à expedição é alegado como um dos motivos centrais do suicídio cometido em 1865.
FitzRoy era um homem britânico de seu tempo. Alcançou altos postos na Marinha, tornando-se vice-almirante, foi governador da colônia da Nova Zelândia e um dos mais importantes articuladores para a ocupação britânica daquele arquipélago. Seu relato das viagens do HMS Beagle o credenciou a se tornar membro da Royal Society, a se tornar figura chave nas inovações das técnicas navais da época e a ser uma das maiores referências sobre viagens de circum-navegação do globo, com exemplares de seu livro nas bibliotecas das Marinhas europeias e americanas.
Ele foi um dos muitos homens do Império a circular pela América Latina no século XIX e se tornou referência em diferentes áreas. Seus escritos incentivaram muitos outros a visitar e atuar na região, apesar do recorrente discurso sobre instabilidade política, inabilidade econômica e ineficiência geral.