Ruy Guerra, o “cineasta viajante”
Ruy Guerra (RG) nasceu em 22/08/1931, em Lourenço Marques (hoje Maputo), capital da colônia portuguesa...
Em 1922, a empresa Pathé-Frères lançou no mercado francês o projetor Pathé-Baby, um pequeno aparelho que funcionava à manivela e que rodava pequenos rolos de filmes no formato 9,5 mm. O consumidor interessado podia comprar ou alugar filmes listados na filmoteca Pathé, imagens que traziam o espetáculo cinematográfico e cenas dos cantos mais recônditos do mundo para dentro da sala de estar. Em 1923, o sistema 9,5 mm foi complementado com uma câmera de tomada de vistas, consolidando o mercado de consumo e a produção de imagens no ambiente doméstico e catalisando uma série de transformações tecnológicas, culturais e artísticas que, no decorrer do século XX, daria um novo status à categoria do amador e à sua relação com o cinema.
O cinema doméstico não era uma novidade na década de 1920, e diversos foram os empreendedores e empresas que investiram em equipamentos para o lar. No caso da Pathé, os primeiros projetos da companhia em direção ao cinema no lar ocorreram em 1908, ano em que Charles Pathé expõs ao conselho da empresa projetos relativos à cinematografia de amadores, aparelhos que poderiam ser facilmente utilizados em casas e apartamentos, assim como os fonógrafos. Para tornar possível o cinema doméstico, o chamado cinéma de salon, a empresa passou a investir em uma série de desenvolvimentos tecnológicos necessários para o uso seguro do filme no ambiente doméstico, como a produção do suporte fílmico em acetato de celulose. Em 1912, a empresa lançou o primeiro sistema para o lar, o Pathé-KOK (Pathescope, no mercado norte-americano), um projetor que utilizava filmes no formato 28 mm produzidos em suporte de acetato de celulose. O sistema tinha como mercado potencial não somente os lares, mas também os ambientes alternativos ao cinema comercial, como escolas, igrejas e fazendas.
Para além do uso doméstico do cinema, tal formato inaugurou também seu uso educativo e instrutivo, como insinuam os dizeres da propaganda: "Instruir - Educar - Recrear". A expansão do cinema para outros espaços de exibição tinha uma dimensão moralizante, pois propunha alternativas às salas de cinema, frequentadas por um público extremamente popular em locais ainda não marcados pelo refinamento das grandes salas de cinema que seriam construídas anos mais tarde. Esses aparelhos, que por si só já eram uma novidade, se situavam, portanto, em uma dupla temporalidade: davam continuidade à tradição de aparelhos de fruição da imagem nos espaços domésticos—como as lanternas mágicas e os brinquedos ópticos—mas já se valiam de uma estrutura tecnológica e industrial de produção de equipamentos de entretenimento para os lares burgueses.
A Pathé KOK não chegou a alcançar o público e o sucesso desejados devido aos altos custos de produção e às precariedades técnicas que dificultavam uma projeção que pudesse competir com as profissionais. Foi somente no começo dos anos 1920 que o mercado doméstico se expandiu. Quase simultaneamente à Pathé, a Kodak lançou nos Estados Unidos a câmera Ciné Kodak e o projetor Kodascope, um sistema amador com projetor, câmera e biblioteca de filmes—mas utilizando o filme 16 mm—o que sinalizava uma competição entre os dois formatos pela exclusividade na utilização de seus equipamentos. O início da década de 1920 foi marcado, portanto, pelos lançamentos dos sistemas amadores, ambos resultantes de uma série de inovações tecnológicas que diminuíram os custos de produção, permitindo a ampliação do acesso, ainda que restrito a famílias de classe alta, ao consumo e à produção de imagens domésticas.
O cinema seguiria os passos já iniciados pela fotografia amadora, que se viu transformada com as câmeras Kodak, em 1888. Com o slogan You press the button, we do the rest, a fotografia deixava de ser uma prática de profissionais e amadores que detinham conhecimentos técnicos e artísticos específicos, pois, afinal, quem fotografava também deveria dominar as técnicas de revelação e de ampliação. O ato de fotografar passou a ser praticado por amadores-consumidores que centravam sua atenção nos registros de momentos em família, de férias e viagens, despreocupados com o processamento das imagens. As câmeras cinematográficas nos formatos 9,5 mm e 16 mm, de mais fácil manuseio e que prescindiam de conhecimentos sobre revelação, permitiram a modernização dos já famosos álbuns de família.
Fabricados por empresas que operavam em escala internacional e dependiam do comércio exterior, poucos meses após o seu lançamento, os equipamentos cineamadores cruzaram mares e fronteiras. A Pathé-Frères criou a Societé Franco-Bresilienne du Pathé Baby no dia 5 de setembro de 1923, em Paris e, dois meses mais tarde, o Diário Oficial da União, por meio do decreto de n. 16.218 de 28 de novembro, anunciou a concessão de autorização para funcionamento da sociedade anônima no Brasil. A sede da Societé, também chamada de Casa Pathé, foi instalada no Rio de Janeiro no ano seguinte, contando com representantes comerciais em outras cidades do país: Lutz e Ferrando, Marco F. Bertea e Paul J. Cristoph Company e Isnard e Cia., no Rio de Janeiro; agente João Nociti, em Curitiba; A. Mourão & Cia., em Manaus. Quanto à sua concorrente, a Kodak brasileira estava instalada no país desde os anos 1910, e a comercialização dos equipamentos amadores valeu-se da estrutura para a venda de máquinas e insumos. Nos anos seguintes, anúncios dos novos equipamentos passaram a compor as páginas de jornais e revistas ilustradas, incentivando a produção de filmes familiares, bem como educando o público quanto à fruição de imagens no lar.
Nesse trânsito comercial entre França, Estados Unidos e Brasil, estava em jogo não somente a inserção de certos países em um novo nicho de mercado de massa. Na esfera da circulação de imagens, as filmotecas Kodak e Pathé permitiram o contato do público brasileiro com seriados e filmes de grandes estrelas do cinema, como Harold Lloyd e Charlie Chaplin. Os catálogos também estavam repletos de documentários sobre viagens ao redor do planeta, filmes que cumpriam uma função educativa e, de certa maneira, saciavam o desejo pelas viagens internacionais. Se não era possível cruzar oceanos e fronteiras, a câmera fazia as vezes de substituta do olho humano, tornando presente um mundo vasto e culturalmente variado, mas ainda de difícil acesso. Os países da América do Sul, a África e a Ásia surgiam como espaços exóticos, com manifestações culturais curiosas e cuja população local era frequentemente classificada como primitiva e rústica. Tais imagens inseriam-se diretamente na tradição pictórica e cinematográfica da fotografia e de filmes de viagens, os travelogues, que traziam na sua essência um desejo de conhecimento de outras culturas marcado pelo olhar eurocêntrico. De certa forma, a conquista visual do mundo refletia também a relação de poder estabelecida entre quem filmava e quem era filmado, entre colonizadores e colonizados, entre países industrializados e países ainda nas margens do desenvolvimento.
No campo da produção de imagens por amadores, os anúncios investiam na relação inseparável entre o ato de viajar e a produção de imagens. A expansão do uso de aparelhos de produção de imagens ocorreu em sintonia com a modernização dos meios de transporte e a massificação do turismo, a conquista do mundo se dando também pela capacidade de transformá-lo em imagem. Em um anúncio da Cine-Kodak, publicado na revista ilustrada Careta, em julho de 1927, fica evidente o imbricamento entre viagem e cinematografia nos dizeres: "A bordo ou em terra com um Cine Kodak - nas viagens, por terra ou por mar, tem sempre alguma coisa interessante e nova para retratar".
Através das coleções de filmes de família do período depositadas em arquivos brasileiros, é possível identificar uma série de filmes rodados na Europa, travelogues de famílias abastadas que dispunham de recursos para a compra de novos equipamentos de produção de imagem e para viagens além-mar. Com um recorte de classe preciso, brasileiros ricos filmaram sítios turísticos europeus, seus espaços de convivência como estações de esqui, cruzeiros e pontos turísticos. Esses brasileiros, membros de uma elite social e econômica, em muito contrastavam com aqueles registrados de maneira exotizante pelos cameramen profissionais que produziam filmes para as bibliotecas Kodascope e Pathé. Com o sistema amador, as imagens do mundo chegavam via filmotecas para o consumo doméstico, e amadores produziam filmes sobre os seus deslocamentos nacionais e intercontinentais.
Neste sentido, os travelogues assumiam uma dupla feição e movimento. A primeira era pautada pela tradição das tomadas de vista e do cinema documentário, uma produção de imagem de cunho muitas vezes etnográfico e que se fundamentava em uma busca pela alteridade—regional, cultural ou econômica. Na busca pelo diferente, o que se forjava era um olhar e uma concepção de civilização e progresso vindos dos países desenvolvidos. Por outro lado, os filmes de viagens rodados por amadores brasileiros eram mais marcados pela produção de artefatos de memória, os souvenirs que seriam consumidos tempos mais tarde. O foco era tudo que parecia familiar, incluindo parentes, amigos e os espaços de circulação da mesma classe social. O olhar era o de uma elite residente em um país subdesenvolvido indo ao encontro das maravilhas do Velho Mundo. Entre as ricas casas dos bairros nobres brasileiros e dos bairros ricos europeus, o que se construía era um mundo em sintonia.
Na investigação de Tom Gunning dedicada à tradição dos travelogues,1 o autor sustenta que o encanto pela viagem e pelo exótico atravessou suportes e formas de expressão, incluindo as lanternas mágicas, os panoramas, os cartões postais, as vistas estereoscópicas e a fotografia. Ao tratar das condições sociais que marcaram a produção dos travelogues cinematográficos—a indústria do turismo, a modernização dos meios de transporte e a expansão do colonialismo—o autor não deixa de destacar que estas características assumiam estatuto formal e conformavam um ponto de vista quanto ao universo retratado. O interesse pelo exótico, os planos abertos que permitiam ver homens e mulheres em seu habitat natural, as panorâmicas e os planos longos, permitindo que o espectador adentrasse no universo retratado, todos esses traços reforçavam o fato de que a forma de filmar os recônditos do planeta refletia um gesto de apropriação cultural.
É curioso notar a persistência do gênero e também as relações de poder ali estabelecidas, quando analisamos alguns catálogos Pathé e Kodak dos anos 1920 e 1930 com uma listagem dos filmes produzidos por cinegrafistas profissionais. Cobrindo todos os continentes do planeta e diversas culturas, os títulos evidenciam o poder de conquista desses empreendimentos cinematográficos. Um catálogo Kodascope disponível para o público inglês, e provavelmente editado no começo dos anos 1930, traz em seus títulos referências a todos os continentes: "Mount Everest Expedition, 1933", "From London to Japan", "Children of Roumania", "Head hunters of Ecuador", "A day with the gyispsies", "Bali East Indian Island", entre outros.
Tendo em mãos somente referências textuais presentes no catálogo, algumas descrições enfatizam o olhar exotizante dirigido às populações nativas, como no título "Domesticating wild men", sobre o povo das Ilhas Salomão, classificados como "os mais primitivos do mundo". Em títulos que contemplavam países da América do Sul, como "Ecuador" e "Argentina", ressaltavam-se os frutos da terra, produtos da agricultura e da pecuária local, delimitando o lugar de economia extrativista e de exportação de bens primários que esses países assumiam na economia global. No mesmo catálogo, as belezas naturais, a população indígena e a agricultura são os temas principais dos filmes dedicados ao Brasil. "Jungles of the Amazon" explora a natureza selvagem da pouco conhecida floresta tropical amazônica localizada entre o Equador, o Peru e o Brasil, as câmeras da Kodak indo ao encontro dos "primitivos" índios Jivero. O norte e o sul do país aparecem em "Brazil - Amazonian Lowlands" e "Brazil - Eastern Highlands". O primeiro registra a cultura nortista da extração da borracha, da castanha do Pará e sua população nativa. No segundo, são retratados os principais produtos da agricultura e da indústria brasileiras: café, cacau, mandioca, açúcar, tabaco, seda e sapatos.
No caso da biblioteca Pathé, uma rica coleção de filmes pode ser consultada na "Pathé Baby Collection", da biblioteca da Universidade de Princeton. Rodados por cinegrafistas profissionais para alimentar os diversos mercados da empresa francesa—ainda que, no período em questão, o documentário já tivesse adquirido outros códigos e perspectivas formais—a estética desses travelogues em muito se assemelhava aos enquadramentos do primeiro cinema: um espaço apresentado com planos gerais, com interesse pelo pitoresco e trazendo o ponto de vista dos conquistadores, como é o caso da série Pathé-Magazine Revue Universelle des Sciences, Arts, Industries, Voyages et Sports. Com pequenas matérias, cada uma delas dedicada a uma região distinta do planeta, a série enfatizava o encurtamento de distâncias e a importância do caráter científico e educativo do cinema doméstico. Em sua edição n. 25, as imagens das ruínas arqueológicas de Chellah, no Marrocos, são acompanhadas por cenas dos mangustos—pequenos mamíferos carnívoros da região do rio Nilo—por imagens de um homem que ensina a fazer saltos ornamentais e de uma aula sobre como preparar adequadamente o seu próprio chá. A edição termina com "A colheita da carnaúba", retratando a produção de cera a partir da carnaúba, uma palmeira típica do Nordeste brasileiro.
Filmado em uma das regiões mais pobres do país, neste pequeno trecho, vemos um plano geral das diversas palmeiras e um trabalhador rural que colhe os ramos da carnaúba. Um plano mais próximo apresenta as folhas que são levadas para a secagem ao sol. A preparação das ramagens é feita por mulheres e crianças sentadas no chão, um processo bastante rudimentar. Os espaços de trabalho são também rústicos, as casas que aparecem no fundo do quadro são feitas de pau a pique, e os trabalhadores retratados são, em sua maioria negros e pardos, o que reflete a dimensão racial da desigualdade social no país. Dentro da própria edição da Pathé Revue, a pobreza do lugar retratado e a simplicidade do trabalho contrastam com as imagens dos países desenvolvidos. Interessa ao olhar estrangeiro uma alteridade que reafirme a sua posição de superioridade econômica e cultural.
Diversas séries, como os Documentaires Colonies, sobre colônias e ex-colônias, também reforçavam um interesse pelo imaginário colonial e expressavam a presunção de superioridade do colonizador, incluindo filmes sobre o continente africano, como L'ordre des missions africaines, e da América do Norte, como Chez les peaux-rouges da L'Amérique du Nord. Rodados por profissionais para alimentar a máquina de produção de imagens ainda calcada em um ideário de conquista do mundo, outra posição está em jogo nos filmes de viagem produzidos por amadores brasileiros. Outro movimento e olhar se instauram nesses filmes de viagem, um olhar que captura um encantamento com pontos turísticos europeus, o de uma classe social que não interessava aos cinegrafistas profissionais: a elite brasileira, a mesma elite que podia consumir os filmes de viagem, a mesma elite que dispunha de recursos para viajar e filmar-se a si própria.
Nos arquivos brasileiros, é possível encontrar diversas coleções de filmes domésticos das décadas de 1920 e 1930. O imaginário da família e dos lares burgueses, recorrente nos anúncios publicados em revistas e jornais, é retratado nas imagens rodadas por amadores no período, filmes que registram viagens ao exterior, a vida nas casas e nos bairros de classe alta, as fazendas e as casas de praia. Ainda que o acesso aos equipamentos fosse facilitado pela venda a prazo, o preço de uma câmera Pathé equiparava-se, na época, a uma viagem de vapor, na terceira classe, para a Europa. Ou seja, poucos eram aqueles que podiam usufruir desta novidade.
Estes filmes nos dão indícios de como vivia a elite brasileira naquele período, evidenciando que a possibilidade de filmar-se refletia um poder sobre os acessos e os meios de produção visuais. Nos anos que antecederam o lançamento das câmeras amadoras, muitas famílias abastadas contrataram cinegrafistas profissionais para registrar os seus rituais familiares, como o filme Batismo de Carmencita, 25 de Junho de 1921 (Gilberto Rossi, 1921), da família franco-brasileira Silveira Jullien, encomendado à Rossi Natural Film, de Gilberto Rossi (1882-1971), importante fotógrafo e cinegrafista da época. Este último, imigrante italiano, foi um dos pioneiros do cinema no Brasil. Dono de um estúdio fotográfico na Itália, veio para o Brasil nos anos 1910, trabalhando como fotógrafo no interior do país até se estabelecer como cinegrafista em São Paulo. Rossi produziu diversas ficções, como O segredo do Corcunda (Alberto Traversa, 1924) e Fragmentos da Vida (José Medina, 1929) com o dinheiro obtido em sua atividade profissional na Rossi Film, produtora dos cinejornais Rossi Actualidades. Batismo de Carmencita retrata o interior dos lares burgueses e possui uma organização da imagem e enquadramentos que ainda dialogam com a fotografia de família. Logo depois, Carmencita Silveira Jullien teve a sua infância filmada com uma Cine-Kodak, um filme de família que mostra a vida em São Paulo e o trânsito entre a Europa e o Brasil, apontando para uma integração ao circuito turístico internacional.2 Entre 1926 e 1932, a família visita Biarritz, Chamonix, Nice, Monte Carlo, Berlin, passeia pelos lagos suíços e pela Itália. Além de registros de sítios turísticos, como a Casa de Joana D'Arc, eram também registrados os dias a bordo dos navios, assim como as chegadas e partidas.
Os filmes dos Alves de Lima3 retratam os espaços de circulação da elite em seus momentos de lazer. Trata-se de uma coleção que acompanha a vida de Antoninho Alves de Lima e sua mulher, antes da chegada da filha Nelita e os seus primeiros anos de vida. Herdeiro da elite cafeeira, Antoninho era neto de Martinico Prado, dono de uma das maiores fazendas de café no interior do estado de São Paulo. Com imagens produzidas no final dos anos 1920 e começo dos 1930, o crescimento da filha tem como cenário a residência luxuosa na rua Higienópolis, localizada em um bairro nobre de São Paulo. Na casa de praia e nas fazendas no interior, a convivência divertida entre amigos revela o interesse quase exclusivo por filmar o tempo do lazer. O trabalho só é retratado quando são filmados os funcionários das fazendas, rostos parecidos com os plantadores de carnaúba presentes do Pathé-Revue.
Nos filmes de viagem o que se acentua é o interesse pelos palácios, igrejas e monumentos. Os planos são longos, panorâmicos e esmiúçam a arquitetura, revelando um encantamento pelo Velho Mundo. Na Espanha, o Museu Del Greco, em Toledo, é mostrado em detalhes, assim com os interiores das igrejas, os vitrais e figuras religiosas. Em Madrid, uma longa cena sem cortes mostra o interior da arena de touradas Las Ventas e o público que lota o local. Nenhum rosto destaca-se na multidão, o que interessa é o registro do espetáculo. Nesses travelogues domésticos, não existe interesse etnográfico ou registro de qualquer coisa que desvie do ideário em torno do filme turístico.
No decorrer do século XX, a figura do amador tomaria as mais diversas formas, seja pela ampliação significativa dos meios de produção de imagem, seja pelas perspectivas criativas que esses equipamentos permitiram aos diletantes ao redor do mundo. A viagem continuaria, e continua sendo um momento privilegiado para o registro. No trânsito entre cenas e pontos de vista, entre o contraste e a comunhão, o consumo doméstico de imagens e a produção de filmes amadores compõem uma importante parte da história dos deslocamentos transnacionais de imagens no século XX, deixando entrever as relações de poder entre quem filma, o que se filma e como o mundo torna-se imagem.
Tom Gunning, "The whole world within reach: travel images without borders," in Virtual Voyages: Cinema and Travel, ed. Jeffrey Ruoff (Durham and London: Duke University Press, 2006), 25-41.
Os filmes domésticos da família Silveira Jullien estão depositados no acervo da Cinemateca Brasileira.
Os filmes da família Alves de Lima também estão depositados no acervo da Cinemateca Brasileira e podem ser consultados na biblioteca da instituição.