Instituto Cubano del Arte e Indústria Cinematográficos
ICAIC was the first cultural body created in Cuba after the Revolution in accordance with Law 169,...
A Revista Cine Cubano, órgão oficial do Instituto Cubano del Arte e Industria Cinematográficos (ICAIC), teve seu primeiro número publicado em junho de 1960. De início, a publicação deveria ser mensal, mas logo tornou-se trimestral (de modo geral, com números lançados em março, junho, setembro e dezembro), tendo sido publicada em formato impresso, com alguma regularidade, até o número 158, em 2004. Entre 2005 e 2012, foi editada exclusivamente em formato digital, passando a chamar-se Revista Cine Cubano online. Em setembro de 2006, quando do lançamento de seu número 159 (relativo aos meses de janeiro a março de 2006), a revista voltou a ter uma versão impressa, com cerca de 96 páginas, número que também oscilou constantemente em razão de dificuldades financeiras (seu número 114, de 1985, por exemplo, em comemoração aos 25 anos da publicação, contou apenas com 31 páginas). Desde então, ela vem sendo publicada de forma bastante irregular. No que diz respeito à equipe editorial, ela nem sempre é informada na publicação, mas Alfredo Guevara, que foi também diretor do ICAIC por muitos anos, ocupou sua direção por mais de duas décadas.
Ainda assim, é possível afirmar que, comparativamente às publicações latino-americanos dedicadas ao cinema, de vida geralmente breve e periodicidade muito inconstante, a Cine Cubano possui uma longevidade respeitável, mantendo, em suas três primeiras décadas, uma notável identidade visual, dado que todo o trabalho de arte final da revista era feito por um único desenhista, Holbein Lopez, na equipe desde o número 9 e responsável por esta atividade por mais de 100 números.
Sua longevidade contribuiu para que a revista se convertesse em uma excelente fonte sobre a história do cinema cubano ao longo de décadas, mas também sobre a história dos "novos cinemas"—particularmente o nuevo cine latinoamericano e os interessantes encontros propiciados pela ida de cineastas e críticos estrangeiros à Cuba e a outros países latino-americanos, principalmente nas décadas de 1960 e 1970.
Também por meio desta publicação, podemos ter acesso a informações sobre a circulação de filmes norte-americanos e europeus na América Latina, à performance das produções cubanas (e latino-americanas em geral) pelos festivais mundo afora—em especial os do mundo socialista—além de debates e impasses vividos pelos cineastas, em escala nacional e internacional.
Ao enfocar a história de Cuba, podemos constatar que a revista tornou-se, seguramente, e logo em seus números iniciais, uma das principais "vitrines" do Instituto e do cinema cubanos, divulgando informações e análises de obras, cineastas e os muitos projetos ali desenvolvidos. Ela oferece assim ao leitor atual uma espécie de "guia" da história do ICAIC, repercutindo não somente o discurso oficial do Instituto, mas também as ressonâncias da política cultural cubana e alguns dos embates que a permearam. Por outro lado, uma leitura atenta de suas matérias nos permite detectar silêncios, ausências (de certos temas ou filmes) e afastamentos por parte de alguns cineastas: caso de Tomás Gutiérrez Alea, cuja presença era bastante constante nos primórdios na revista e que se tornou esporádica a partir dos anos 1970, e de outros realizadores, que rumaram para o exílio e não foram mais sequer mencionados na publicação.1 Essas ausências muito revelam, também, sobre a história do meio cultural cubano e as mudanças políticas ocorridas na ilha ao longo das últimas décadas do século XX.
Ao mesmo tempo, Cine Cubano oferece material valioso para dimensionarmos as conexões transatlânticas ocorridas a partir de sua criação, tendo em vista sua criação sob a égide da construção e da divulgação da nova arte produzida em Cuba, pós-revolução. Esta última deveria se abrir a novas estéticas, sem descuidar de seu caráter educativo, formando um "homem novo" engajado nas conquistas e atento às necessidades do projeto político vigente. Nesse sentido, a revista também constituiu um "cartão de visitas" de um governo e de um instituto abertos às colaborações que endossassem tal projeto no campo cinematográfico, e muito receptivos às demonstrações de apoio às lutas do Terceiro Mundo e à produção de roteiros e filmes de conotação anti-imperialista. Diversos críticos, cineastas e roteiristas estrangeiros atenderam aos convites feitos pela revista e pelo ICAIC para colaborar, para opinar sobre o novo cinema que estava sendo produzido sob a égide da Revolução. Essa preocupação com a presença estrangeira deixou muitas marcas no Cine Cubano, principalmente nas primeiras décadas de sua existência.2 Uma delas é a constante reprodução de resenhas publicadas em veículos conceituados, como o francês Cahiers du cinèma e a peruana Hablemos de Cine, numa clara estratégia de legitimação da qualidade do periódico no campo da crítica cinematográfica internacional.
O perfil inicial de Cine Cubano era, portanto, o de um periódico voltado para a difusão das cinematografias nacional e internacional, bem como para a crítica especializada. Os primeiros números não apresentavam muitas ilustrações, mas muitos ensaios e críticas autorais, redigidos em linguagem pouco comprometida com o público leigo. Nesse sentido, chamam a atenção a qualidade literária e a erudição presentes em artigos e ensaios voltados para o cinema europeu e abertos a explorar o cinema socialista, que então se descortinava como novidade cultural para o público cubano. Filmes premiados, Nouvelle vague, neorrealismo italiano, free cinema, cinema polonês, nova onda do cinema soviético, entre outros, eram analisados, tendo-se em mente um leitor supostamente familiarizado com o universo cinematográfico mundial.
Aqueles que se deslocavam pessoalmente a Cuba eram objeto de ensaios fotográficos, e a esse grupo também se somavam belas e jovens atrizes (Karla Chadimova, Julie Christie, Geraldine Chaplin, Natalya Bondarchuk, Susú Pecoraro), algumas delas estrelas de cinema do Leste Europeu. Cine Cubano também dava destaque aos cineastas que produziam em Cuba (Agnès Varda, Jean-Luc Godard, Mikhail Kalatasov, Joris Ivens, Chris Marker, Glauber Rocha, Miguel Littín, entre outros) ou às visitas de delegações formadas por representantes de diversos partidos comunistas, incumbidos de estreitar relações culturais e políticas, trazendo na bagagem filmes e cine-jornais para mostras específicas de cinema chinês, polonês, tcheco, húngaro, soviético, alemão etc.
Além de pretender reeducar o gosto do público cubano e divulgar as conquistas da revolução, a revista, em seus primeiros números, também tinha como objetivo atingir o cinéfilo e o próprio cineasta, este último necessitando urgentemente "profissionalizar-se" para cumprir as metas de produtividade do Instituto. Assim, diversos artigos traziam orientações práticas, matérias destinadas à formação do jovem diretor e dicas de como filmar com baixo orçamento, a partir de exemplos concretos. Em seu número 4, por exemplo, especialmente dedicado aos visitantes "amigos de Cuba e da cinematografia cubana", há artigos de Julio García Espinosa e Tomás Gutiérrez Alea voltados para a formação do cineasta, além de demonstrações dos procedimentos de trabalho (produção) do documentarista Chris Marker e dos diretores soviéticos Giorgio Danielij e Igor Talankin.3 Além disso, os métodos de direção de ator de Stanilavski, a estratégia do "distanciamento" de Bertold Brecht, o papel do realizador ao filtrar ou reconstruir o real eram temas frequentemente apresentados e discutidos nas páginas da revista, algumas vezes a partir da análise de filmes polêmicos em Cuba, como Hiroshima mon amour (Alain Resnais, 1959).
Como forma de evidenciar as realizações do ICAIC, há também, a partir de 1963, um progressivo destaque para os informes oficiais estatísticos e para as fotorreportagens documentando as participações cubanas em festivais de cinema internacionais (principalmente os Festivais de Moscou, de Karlovy-Vary, de Pesaro e de Leipzig) e em comitivas reunindo jovens atrizes e diretores cubanos, bem como as presenças indefectíveis de Alfredo Guevara e Saul Yelín, este último diretor de relações internacionais do ICAIC, também nomeado "embaixador do cinema cubano" em razão de seus muitos contatos na Europa e de seu amplo domínio de idiomas. Ambos viajaram muito, nessa década, e empenharam-se em fazer contatos, em estreitar laços com profissionais, escolas de cinema e organizadores de festivais de várias partes do mundo.
A presença internacional, que garantia uma aura de sofisticação à revista, juntamente com o cuidado em estimular o aprimoramento do "fazer cinematográfico" em Cuba nos ajudam a compreender as altas expectativas que vigoraram em seus primeiros anos de existência. A análise da revista nos revela igualmente a imagem que se pretendia construir do Instituto: ao folhear suas páginas, não há como não se entusiasmar com o potencial de um organismo tão novo e que, por meio do cine-móvil,4 abarcava todas as regiões e cidadãos do país com filmes de temáticas atuais. Além disso, suas páginas davam acesso a informações sobre os festivais europeus, sobre lançamentos editoriais, sobre as estreias nas salas de cinema e traziam fotos de eventos políticos e culturais captados pelas lentes dos documentaristas.
Ao mesmo tempo, o leitor desavisado que acompanha a história do ICAIC pela revista tem a impressão de terem sido raras as polêmicas sobre filmes, as tensões entre cineastas e governos ou mesmo os atos de censura. Desde o início, não são explícitas as insatisfações internas, as diferenças políticas, o mal-estar causado por determinadas declarações de estrangeiros. É no corpo das resenhas críticas, nas reportagens, nos questionários, nas reflexões sobre a estética ou a cinematografia estrangeira que os temas polêmicos se descortinam, em geral muito discretamente. À primeira vista, a revista era um espaço de celebração.
Mesmo não abordando abertamente assuntos espinhosos da política, ou mesmo da política cultural, na revista Cine Cubano, podemos encontrar pistas importantes sobre os debates—e embates—travados no campo artístico e intelectual cubano após a Revolução. Discussões sobre gêneros, tendências e obras cinematográficos eram motes importantes para se debater questões mais amplas, como a função da arte na sociedade contemporânea e nos países socialistas, a estética do realismo, o papel dos festivais no meio cinematográfico, as possibilidades do cinema independente ou a hegemonia da produção hollywoodiana no mercado mundial. Cine Cubano publicou, por exemplo, ao longo dos anos 1960, vários artigos e entrevistas sobre o free cinema, tema que também servia de pretexto para tratar de questões mais abrangentes. O free cinema havia sido o estilo inspirador do curta P.M., de Sabá Cabrera Infante e Orlando Jiménez Leal, produzido de forma independente, em 1961, e cuja censura pelo governo cubano provocou a elaboração de um abaixo-assinado e uma grande polêmica que começou no ICAIC e repercutiu na enunciação de um discurso, por Fidel Castro, intitulado "Palabras a los Intelectuales", considerado a primeira formulação de política cultural oficial do governo castrista. A questão subliminar que norteava a polêmica era até onde poderia ou deveria ir a liberdade de expressão do artista/intelectual em um contexto de engajamento político. Ou ainda se Cuba tomaria rumos diferentes do cerceamento político experimentado pelos artistas/intelectuais dos países socialistas. Até que ponto haveria permeabilidade do governo diante de influências e trocas culturais diversas?
Esses problemas apareceram, direta ou indiretamente, em mesas-redondas, entrevistas e questionários publicados pela revista. Em 1967, por exemplo, Cine Cubano organizou um amplo questionário dirigido a renomados escritores da ilha e a profissionais ligados ao cinema para que opinassem acerca das relações entre literatura e cinema e, especificamente, sobre o free cinema.5 A revista parecia querer tocar num argumento usado por seus defensores que afirmavam se tratar de um "cinema puro" em virtude de sua independência de roteiros escritos, de recursos materiais, de aprovação prévia de projetos etc. Ao invés de condenar abertamente essa modalidade de documentário (que não era bem vista pela política cultural do governo cubano), a revista lançava mão de perguntas provocativas, que obrigavam o entrevistado a se posicionar em relação a questões mais gerais e a opinar sobre um fenômeno estrangeiro. A vigência, em 1967, do debate sobre o free cinema (cujo início poderíamos localizar em 1961) mostrava que a política cultural não estava completamente resolvida, mesmo passados dois anos da fundação do Partido Comunista de Cuba (1965), que unificara todas as organizações políticas. Cine Cubano sobreviveu ao fechamento de alguns periódicos cubanos (como Revolución e Hoy) e de algumas editoras (como El Puente), por tratar com sutileza as discussões sobre liberdade artística, vanguardismo, sobre como abordar a realidade, bem como a necessária interlocução com o povo e o papel do intelectual.
Na década de 1970, é possível perceber que a ênfase da publicação se volta principalmente para projetos cinematográficos e temáticas nacionais e regionais. Diminui a presença da crítica estrangeira e há, de modo geral, um maior alinhamento do discurso da revista com a política cultural implementada pelo governo. Os números editados entre 1971 e 1974 (em um período da história cubana chamado de Quinquenio gris, em razão do recrudescimento de medidas repressivas) revelam a adesão do periódico às diretrizes do Congresso de Educación e Cultura de 1971. Vários artigos, resenhas e críticas dessa fase enfatizam o combativismo que era parte do discurso oficial do governo: valorizam os documentários políticos, ensaios que denunciam o imperialismo cultural, as reportagens sobre os filmes relacionados às efemérides celebradas pelo governo, os movimentos cinematográficos latino-americanos e temas afins.6 Lembremos que esta é uma década na qual se assiste a um grande debate internacional, no meio artístico e intelectual, sobre os rumos que vinham sendo tomados pelo governo cubano no campo cultural. O julgamento público e condenação do poeta Heberto Padilla, que se estendeu de 1968 a 1971 (e foi motivado pela crítica, presente em suas obras, ao autoritarismo vigente no país), provocou protestos e abalou o apoio político à Cuba de vários intelectuais renomados, como Julio Cortázar, Juan Goytisolo, Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Pier Paolo Pasolini, Susan Sontag, Alain Renais, ítalo Calvino, Carlos Fuentes, Mario Vagas Llosa, Octavio Paz, Marguerite Duras, entre outros. A tendência da Cine Cubano em cobrir substancialmente a produção nacional e latino-americana, e sua não circulação em 1975, 1976 e 1977 (período que coincide com a criação e a implementação do Ministério da Cultura em Cuba, uma instância superior ao ICAIC, que tirou parte de sua autonomia e, por conseguinte, também de sua revista) nos revela que estes foram anos duros para o meio cinematográfico cubano e para a imprensa, o que implicou mudanças necessárias à própria sobrevivência do periódico.
Por meio da revista do ICAIC, temos uma amostra da grande circulação estrangeira em Cuba nas três décadas seguintes à Revolução. Apesar de predominar um tom celebrativo e de agradecimento na cobertura da maioria das visitas, algumas delas suscitaram avaliações que colocavam em dúvida a conveniência da obra de determinado autor para o contexto cubano ou seu comportamento político. As visitas a Cuba de celebridades internacionais vinculadas ao cinema de autor, como Jean-Luc Godard e Michelangelo Antonioni (entre muitas outras), foram algumas dessas presenças "incômodas" registradas nas páginas de Cine Cubano. O tom assumido para descrever os cineastas era um tanto ambíguo: no caso de Antonioni, havia a acusação, pela crítica, de que seus filmes possuíam uma série de "defeitos" e que eram monótonos, chatos, com péssima direção de atores masculinos, ainda que prevalecesse o entendimento de que se tratava, sem dúvida, de um grande diretor.7
Os cineastas militantes do Partido Comunista eram críticos severos de Antonioni: em um artigo de 1964, Fausto Canel teceu duras objeções ao filme Il grito (1957), mostrando que o argumento era uma tolice do ponto de vista marxista (um rapaz operário que se mata por amor) e que Antonioni, como criador, ainda se encontrava demasiado preso ao sentimentalismo superficial.8 Observações semelhantes foram proferidas por um crítico soviético, em 1966, e reproduzidas na revista: ele chamava Antonioni de filósofo decadentista e afirmava que, no fundo, seus filmes elogiavam o modo de vida burguês, influenciando negativamente a juventude e minimizando a importância dos movimentos sociais.9
Críticas desse tipo foram bastante frequentes na década de 1960, principalmente após o festival de Cannes de 1967, no qual o filme Blow Up (M. Antonioni, 1966) mereceu mais prêmios que a produção brasileira Terra em Transe (Glauber Rocha, 1967). Cine Cubano considerou tal resultado uma injustiça, e mesmo tendo publicado uma entusiasmada entrevista sobre a produção do filme de Antonioni, apresentou, pouco depois, um artigo condenando a obra, por não explorar a questão da "consciência" e se tratar de um filme "senil".10 Vemos aqui uma tomada de posição em defesa das produções latino-americanas, sobretudo aquelas de denúncia política e social, que a partir daquele momento seriam associadas ao movimento Nuevo Cine Latinoamericano (NCL).
Nos anos que se seguiram a essa reportagem de 1967, a análise da revista deixa entrever o intenso envolvimento de sua equipe nos festivais e comitês que contribuíram para a afirmação do movimento NCL. A diversificada produção cinematográfica associada a este projeto vinha sendo bem recebida internacionalmente, principalmente no circuito dos festivais e no âmbito da crítica cinematográfica, simpática às produções de denúncia social e aos realizadores identificados aos "novos cinemas", caso da revista Positif, na França. Percebemos como Cine Cubano passa a ser, além de uma vitrine do ICAIC, uma plataforma para a defesa desse cinema combativo, seja por meio do apoio a diversas expressões nacionais (e aqui registramos como exemplo o apoio da revista aos cineastas chilenos durante e após a derrubada do governo de Salvador Allende), seja em escala regional, promovendo Cuba como uma espécie de "sede" do NCL, o que acaba se concretizando, de certa forma, com a realização anual, na ilha, dos Festivales Internacionales del Nuevo Cine Latinoamericano, a partir de 1979, e com a criação da Fundação del Nuevo Cine Latinoamericano, em 1985. As notícias envolvendo os Festivais e a Fundação, por onde também circularam (e ocuparam funções administrativas) muitos realizadores e funcionários do ICAIC, sempre tiveram espaço na revista Cine Cubano.
A cobertura dos eventos do meio cinematográfico latino-americano sempre teve destaque na revista desde sua criação, intensificando-se a partir de meados dos anos 1970. Esse crescimento também se fez acompanhar pela divulgação da produção cubana (inclusive de algumas películas que não vingaram, mas cujos projetos ficaram registrados).
Na década seguinte, a afirmação da identidade latino-americana deste cinema continuava a ser reiterada como contraposição à produção hollywoodiana. Nessa perspectiva, uma série de artigos da revista Cine Cubano condenava este cinema,11 poupando somente os cineastas norte-americanos "independentes", simpatizantes de Cuba.12 Por meio de matérias que cobriam seminários e cursos realizados por ocasião dos Festivais, podemos acompanhar o interesse por um cinema que se propunha mais "experimental", menos preso a velhas fórmulas narrativas, principalmente no campo da ficção. Sintomática, nesse sentido, é a cobertura conferida ao Seminário Cine e Imaginación Poética, realizado no III FINCL (ocorrido de 5 a 13 de dezembro de 1981), cujas comunicações foram publicadas na Cine Cubano número 102, em 1982. A maior parte dos trabalhos defendia efusivamente o uso da metáfora, da intuição poética e da "imaginação" no cinema. Nos discursos verborrágicos e performáticos do argentino Fernando Birri ou nas citações de textos de Lênin13 ou de Martí14 ficava clara a busca por um cinema menos esquemático e realista. Essa disposição, no entanto, para a qual a revista conferia ampla visibilidade, não se materializou no ICAIC na forma de uma produção nacional, ficando mais restrita à discussão nos espaços de criação recentes nos país (bastante cosmopolitas), como os Festivais, a Fundação e, a partir de 1986, a Escuela Internacional de Cine y TV de los "Tres Mundos", em San Antonio de los Baños.
Assim, por meio deste breve apanhado, podemos apreender a importância histórica da revista Cine Cubano, não somente por franquear o acesso a acontecimentos que envolviam o ICAIC, mas também por legar o registro da circulação internacional em Cuba, e de cineastas e filmes cubanos fora do país—muito marcante nas primeiras décadas após a Revolução. Percebe-se também seu papel na construção da política cultural cubana, seja endossando as diretrizes do partido comunista, em termos de discurso, seja apoiando os filmes—inclusive alguns bastante críticos—que procuravam se servir de brechas para contestar esta mesma política.
O próprio objeto focado—o cinema—implicava a divulgação de notícias referentes à produção cinematográfica internacional, aos festivais, às premiações, enfim, ao "mundo de fora", trazido para dentro da ilha por meio da revista que, desde sua fundação, se constituíra como um veículo conectado com o lado de cá e de lá do Atlântico. Nesse sentido, além de vitrine do ICAIC e de registro da história do cinema cubano, Cine Cubano atuou como uma janela por meio da qual os cubanos podiam ver o que estavam contando a crítica estrangeira e o cinema mundial.
Sobre o exílio de técnicos, diretores e críticos de cinema cubanos no período de 1960 a 1965, ver Nestor Almendros, Cinemanía (Barcelona: Seix Barral, 1992, p. 292).
Alguns exemplos: "El director del Festival de Locarno visita La Habana", Cine Cubano 4 (1960-61), 60-61; "La Crítica Italiana juzga los festivales internacionales y las películas cubanas", Cine Cubano 38 (1966), 18-23; Gerardo Chijona, "Marcel Martin habla de Cine Cubano", Cine Cubano 95 (1979), 27-30.
Cine Cubano, 4 (1960-61).
Projeto desenvolvido pelo Departamento de Divulgación Cinematográfica do ICAIC, em 1961, que promovia exibições itinerantes, gratuitas, pelo interior de Cuba, principalmente em localidades rurais que não contavam com salas de cinema (Hector García Mesa, "Un reportaje sobre el cine-móvil ICAIC." Cine Cubano, 60-62 (1970), 109).
"Sobre el Cine y la Literatura responden...," Cine Cubano 38 (1967), 2-7; "Sobre el Cine y la Literatura responden...," Cine Cubano 39 (1967), 1-13. Enquete com nove perguntas encaminhadas a Alejo Carpentier, Lisandro Otero, Carlos Felipe, Eliseo Diego, Ambrosio Fornet, Alberto Roldán, Edmundo Desnoes, Tomás Gutiérrez Alea, José Manoel Valdés Rodríguez, Graciela Pogolotti e Humberto Solas.
Destacamos matérias como "La única verdad es el marxismo-leninismo y el materialismo histórico", título do artigo da colombiana Marta Rodriguez Silva, celebrando a produção documental cubana. Cine Cubano, 91-92 (1978), 123-126.
Cf. "Sobre el actor de Cine. Reflexiones. Michelangelo Antonioni," Cine Cubano 9 (1962), 67-76; Jean-Luc Godard, "La Noche, El Eclipse y la Aurora. Entrevista con Michelangelo Antonioni," Cine Cubano 34 (1966), 39-49; Daniel Onega, "Por favor, no me hable más de Antonioni," Cine Cubano 63-64-65 (1971), 61; Manuel Pereira, "Antonioni: el cineasta con manos de pintor," Cine Cubano 101, 1982, 68-73.
Fausto Canel, "El Grito...," Cine Cubano 17 (1964), 47-50.
Mario Rodríguez Alemán, "Habla Novo grudski," Cine Cubano 35 (1966), 31.
Respectivamente: Anne Capelle, "Antonioni filma The Blow Up," Cine Cubano 41 (1967), 32-37; "Cannes: Blow Up o Tierra en Transe," Cine Cubano 45-46 (1967), 99-106.
Mirta Aguirre, "Hollywood y el entretenimiento cinematográfico," Cine Cubano 98 (1980), 1-23; Alejandro Gonzáles Acosta, "Tarzán: de la pesadilla al Superhombre," Cine Cubano 105 (1983), 17-24; Alejandro Rios, "Indiana Jones. Llegada del Tercer Tipo," Cine Cubano 112 (1985), 86-88.
Mayra Vilasis, "De Harlan County a Peek's Kill. Entrevista con Barbara Kopple, Terry Gusmorino, Wendy Battles y Helen Susmann," Cine Cubano 98 (1980), 90-96; Julianne Burton, "Frente a America Latina y de espaldas a Hollywood: meditaciones y mediaciones de una crítica," Cine Cubano 99 (1981), 139-144.
Fernando Birri, "Ocupar el leguaje..."; "América, encenguéce me! Fragmento de un poema-ponencia"; "Que hacer?,"Cine Cubano 102 (1982), 2-8.
Na primeira página da Cine Cubano 102 (1982), há a seguinte citação de Martí, extraída de suas Obras Completas, tomo 23, p. 43-44: "La imaginación ofrece a la razón, en sus horas de duda, las soluciones que ésta, en vano, sin su ayuda busca. Es la hembra de la inteligencia, sin cuyo consorcio no hay nada fecundo".